Chico é o homem cordial analisado por seu pai
Chico Buarque continua a render. Quanto menos o sujeito entende o que está escrito, mais se indigna. Não critiquei a obra de Chico como compositor ou letrista. Ataquei a sua análise política, que é estúpida, preconceituosa e cruel. Posso falar também sobre as suas letras se o problema é esse. Mas antes trato um pouco […]
Chico Buarque continua a render. Quanto menos o sujeito entende o que está escrito, mais se indigna. Não critiquei a obra de Chico como compositor ou letrista. Ataquei a sua análise política, que é estúpida, preconceituosa e cruel. Posso falar também sobre as suas letras se o problema é esse. Mas antes trato um pouco mais da questão política.
Quem sabe o que penso já percebeu que não justifico a violência como instrumento para fazer política. Os extremistas, sejam de direita, sejam de esquerda, costumam tratar a eliminação de adversários como coisa corriqueira. Não é a minha praia. É a de Chico Buarque, o amiguinho do facínora Fidel Castro, por exemplo.
Chico respondeu a indagações que são de natureza política. Se tivesse feito digressões sobre os sonetos petrarquianos, talvez eu o tivesse deixado de lado. Em meio ao caos e ao medo espalhado por terroristas no Rio, este senhor vem com a conversa mole de que responsável mesmo pela violência é a classe média. É a análise de um imbecil ou de um mau-caráter.
Mas é uma imbecilidade e um mau-caratismo da qual talvez nem ele próprio se dê conta. Seu pai, Sérgio Buarque de Holanda, de certo modo, estudou as opiniões do filho em Raízes do Brasil, um dos livros mais citados e não-lidos do país, embora pequenino. Lido, muitas vezes não é entendido. Quando Sérgio aponta a cordialidade como um traço característico e negativo da nossa formação, refere-se justamente à ausência de fronteiras nítidas entre os mundos público e privado, entre o ambiente da família e o ambiente da rua, o que mascara as diferenças sociais em nome de um pacto de convivência que legitima e “naturaliza” as desigualdades.
A análise de Chico sobre a violência traz o viés da Casa Grande – para citar um outro contemporâneo de Sérgio e ainda maior do que ele, Gilberto Freyre. O compositor olha para os miseráveis que matam e morrem, vítimas do crime organizado, e diz: “Isso é lá coisa deles”. O branco integrado vê a carnificina com um olhar amoroso, compreensivo, condescendente, compassivo. Como uma sinhazinha dos olhos glaucos, ele tem mesmo é ódio é dos burguesotes, da classe média que tentam ascender na vida, que tentam vencer no braço as benesses da sociedade de classes que ele, Chico, recebeu de graça. Chico é o homem cordial descrito por seu pai. Chico é um direitista e não sabe. Mas não é uma direita qualquer. É a direita reacionária.
O “poeta”
Chico é um bom letrista, às vezes excelente. Especialmente ou apenas quando trata da questão amorosa. Tem uma cultura literária superior à da maioria dos artistas da chamada MPB, com a provável exceção de Caetano Veloso, este também dado a arranques filosóficos. Embora Caetano seja mais falastrão e saiba usar a imprensa a seu favor, prefiro o baiano. Seu “programa” me parece mais voltado para o mundo das artes & espetáculos do que o de Chico Buarque, metido a analista político. Caetano pode ter o miolo um pouco mole, como acusou certa feita José Guilherme Merquior, mas não justifica ditaduras.
Chico é um bom letrista? Quando não põe sua arte a serviço da questão política, é. Se você conhece Camões, impressiona-se menos com ele… De todo modo, para um compositor de MPB, está de boníssimo tamanho, vai muito além da conta. Mas tem ambições muito maiores, também de romancista. Aí o bicho pega. Comete um pecado mortal para um prosador: não sabe ser simples e fazer as palavras terem uma fluência que, sem ser a fala, não lhe seja estranha. É questão de gosto? Claro que é. Meu preferido do modernismo é Graciliano Ramos, não Guimarães Rosa. Chico é um ótimo “intelectual” da classe média que ele tanto deplora, embora assuma aquele ar distante, meio afetado, de reizinho baudelairiano de um país chuvoso.
Reconheço-lhe, pois, qualidades de letrista, especialmente a parte de sua produção não contaminada por sua utopia totalitária. Mas é uma besta política. E ele falou foi de política. E minha resposta foi política.
Quanto à petralhada que me diz, com se fosse insulto, que Chico não sabe quem sou e não está nem aí para o que escrevo, não dou a menor bola. Um dos meus textos de que mais gosto trata da obra de Fernando Pessoa. Também ele não sabe e jamais saberá quem sou, não é? Não escrevo para chamar a atenção dos objetos de minha análise. Escrevo porque quero e porque posso. De todo modo, fiquem calmos: ele sabe quem sou. E isso para mim é de uma irrelevância oceânica.
Chega de confusão
De uma vez por todas: o alagoano Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o dicionarista, nunca foi irmão, nem espiritual, do paulista Sérgio Buarque de Holanda. E, portanto, nunca foi tio de Chico Buarque.