Bundalelê ideológico: Brasil cai no ranking do IDH, mas os petistas comemoram
Olhem aqui: às vezes, eu me envergonho mais pela qualidade dos que se supõem meus adversários intelectuais do por algum vexame eventualmente perpetrado por mim mesmo ou por um amigo. A sensação de ver essa gente bisonha a falar besteiras sobre o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é de melancolia. Estaremos mesmo condenados? A petralhada […]
No pé deste texto, reproduzo uma reportagem correta do Estadão, assinada por Ligia Formenti e Lisandra Paraguassu, que trata a coisa nos seus devidos termos. Mas quem pode impedir os setores propagandistas da mídia de fazer… propaganda? Ora, cada um segundo o seu ofício, certo? Atenção! Se o ranking do IDH for mesmo importante — eu nunca achei, como sabem meus leitores mais antigos, desde o Primeira Leitura —, então é preciso dizer: O BRASIL CAIU. Ocupava a 69ª posição e, agora, está em 70ª. antes da 69ª, estava em 68º…
Mas a petralhada está soltando rojão. Hoje é dia de festa no AP. Dia de bundalelê ideológico. No seu raciocínio pobremente binário, indaga: “Mas, se caiu, como é que, agora, o Brasil já pode ser considerado de ‘alto desenvolvimento humano’?”. Ora , petralha, porque todo o mundo melhorou também. E, se o país perdeu uma posição, quer dizer que melhorou menos do que outros. Dá pra entender ou quer que desenhe?
Mas observem: “eles” dão importância pra esse ranking. Eu não dou tanto assim. Tá com inveja de Cuba, leitor? O país está em 51º lugar. Ou, quem sabe?, da Bugária (53º), de Tonga (55º) ou da Líbia (56º)… A vizinha Argentina, mesmo depois de ter beijado a lona, está em 38º lugar. E não custa observar, não é?
O Apedeuta já saiu proclamando que o Brasil é mesmo abençoado por Deus. Nem diga. Estamos em relação ao IDH como em relação ao crescimento econômico. Vejam só: se o país está em último lugar no grupo dos países de “alto desenvolvimento humano”, mas caiu no ranking, quer dizer que melhorou o próprio índice, mas piorou na comparação com muitos outros. Ocorre que o Apedeuta já nos ensinou: quando o país for pensar essas questões, não importam as outras nações: temos de ser o referencial de nós mesmos. Nem a Grã-Bretanha é uma ilha. Mas o Brasil é.
Segue reportagem do Estadão:
Mais de 20 anos depois da Argentina, que obteve a marca ainda nos anos 80, o Brasil entra para o clube dos países considerados de alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), segundo relatório divulgado nesta terça-feira, 27, pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud). Segundo a BBC Brasil, porém, a ascensão do País se deve não só a melhorias na qualidade de vida, mas à revisão de alguns indicadores brasileiros.
De acordo com o relatório da ONU, o Brasil atingiu o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,800, em uma escala de 0 a 1. Países com índice inferior a 0,800 são considerados de “médio desenvolvimento humano”, categoria na qual o Brasil figurava desde 1990, quando o PNUD começou a divulgar o ranking.
Os dados do relatório divulgado nesta terça-feira são referentes a 2005. No relatório do ano passado, de 2004, o IDH do Brasil foi de 0,798, já com os dados revisados. Apesar de ter tido uma pontuação maior, o País caiu uma posição no ranking e agora ocupa o 70º lugar, o último entre os de nações com “alto desenvolvimento”.
Além do Brasil, países como Rússia, Macedônia, Albânia e Belarus também ingressaram no rol dos países de “alto desenvolvimento humano” nesta edição do ranking, que neste ano foi liderado pela Islândia, com IDH de 0,968.
Revisão
O IDH é um índice usado pela ONU para medir o desempenho dos países em três áreas: saúde, educação e padrão de vida. O índice é composto por estatísticas de expectativa de vida, alfabetização adulta, quantidade de alunos na escola e na universidade e o Produto Interno Bruto (PIB) per capita.
O Brasil subiu não só devido a melhoras reais nos campos avaliados pelo IDH, mas também em função de revisões de estatísticas nos bancos de dados da Unicef e do Banco Mundial – órgãos que fornecem os números para o Pnud, normalmente baseados em dados produzidos pelos próprios países.
Por exemplo, uma recente revisão de metodologia do IBGE alterou para cima o crescimento do PIB brasileiro em 2005. Em vez de 2,9%, o IBGE declarou que a economia do Brasil cresceu 3,2% naquele ano.
Revisões estatísticas também revelaram que os padrões de educação e expectativa de vida no Brasil aumentaram em 2005. A expectativa de vida média subiu de 70,8 anos, no relatório anterior (71,5 no número revisado), para 71,7 anos em 2005. A revisão foi feita em 62 países, a partir do ajuste do impacto da Aids na longevidade das populações, menor do que se pensava anteriormente.
Desempenho tímido
Apesar das melhorias, o ingresso do País no grupo de nações com alto índice de desenvolvimento ocorre de forma tardia e com desempenho ainda bastante tímido. Uma rápida olhada nos indicadores mostra o quanto a atuação do País está aquém dos vizinhos Chile, Uruguai, da Argentina e também do México. “Caso queira se aproximar de outros países, o Brasil precisa adotar uma agenda específica “, avalia o assessor especial para Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, economista Flávio Comim.
O assessor se vale de cinco indicadores para mostrar o longo caminho a percorrer. A começar pela desigualdade social. Em 2004, a faixa 20% mais rica de brasileiros ganhava 21,8 vezes a mais do que o grupo 20% mais pobre. No México, tal índice é expressivamente menor: 20% mais ricos ganham 12,8 vezes mais do que os 20% mais pobres. No Uruguai, 10,2 vezes e no Chile, 15,7.
“O copo do Brasil ainda está meio vazio. Há muito o que ser feito para se aproximar da Argentina, que desde a década de 80 está entre o grupo de alto desenvolvimento humano”, completa.
O número de mortes registradas entre mulheres durante ou logo depois do parto, é o segundo exemplo dado pelo economista. No Brasil, são registradas 110 mortes por cada 100 mil habitantes. Na Argentina, são 77 por 100 mil. O México apresenta um índice ainda menor: 60 por 100 mil, o que representa quase metade da marca brasileira.
A mortalidade entre menores de cinco anos também é significativamente maior no Brasil. São 33 mortes por mil nascidos vivos. Na Argentina, são 18 mortes por mil e no Uruguai, 15 – menos da metade da taxa brasileira.
Na área de saneamento, o exemplo brasileiro também deixa a desejar. Em 2004, a rede de esgoto atendia 75% da população. No Uruguai, a rede já atendia 100% da população e na Argentina, 91%. Com abastecimento de água a situação não é diferente. Na Argentina, 96% da população tem acesso à água encanada. No Chile, 95% enquanto no Uruguai, 100%. O Brasil oferece abastecimento para 90% de sua população, o mesmo que o Nepal, o 142º colocado no ranking. “O que se vê são cinco áreas em que o Brasil precisa ainda melhorar de forma significativa. Em alguns quesitos, o País apresenta taxas parecidas com as africanas”, completou.
‘Conceito amplo’
O próprio UNDP reconhece que o IDH não é suficiente para avaliar o nível de desenvolvimento humano de um país. “O conceito de desenvolvimento humano é amplo demais para ser capturado pelo IDH”, diz o website do programa. Um dos objetivos do índice, ainda de acordo com o UNDP, é “chamar atenção dos formuladores de políticas públicas, da mídia e das ONGS… para questões humanas”, tirando um pouco o foco de indicadores meramente econômicos.
Neste ano, o tema do relatório da ONU sobre o IDH é o aquecimento global e seus efeitos sobre o desenvolvimento. No site oficial do índice (https://hdr.undp.org/en/), a partir da manhã desta terça-feira, o visitante pode calcular, online, sua “pegada de carbono” pessoal – a marca que seu estilo de vida deixa no clima da Terra.