Bruno Tolentino
Morreu hoje de manhã, aos 66 anos, no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, o poeta Bruno Tolentino. Pior para todos nós. Pior para o Brasil. Anteontem, lembrei aqui uma das muitas falsetas que a impostura lhe aprontou: em 1994, ele desancou uma tradução de um poema de Hart Crane feita por Augusto de Campos. […]
Há exatamente um ano, num 27 de junho como este, Bruno lançou aquela que é, no que respeita à produção poética, a sua maior obra: A Imitação do Amanhecer, um conjunto de 537 sonetos alexandrinos, que podem ser lidos individualmente. No conjunto, formam uma narrativa, um romance. Bruno me convidou para um bate-papo na livraria Fnac: também em prosa, era douto, divertido, original. Posso estar enganado, mas acho que os jornais não registraram uma linha. Ou o fizeram com tal discrição, que é impossível lembrar. Ele fora banido também da academia. Bruno podia ser um pouco humilhante — e até intimidador às vezes — em várias línguas. Menos para quem era capaz de ser generoso consigo mesmo para aprender. E então ele era de uma gentileza extrema.
Eu era seu amigo. Trabalhamos juntos. Ele sempre teve comigo uma lhaneza que talvez eu nem merecesse. Num tom entre amistoso e galhofeiro, chamava-me, às vezes, como a outros mais jovens do que ele, “filhinho”. Vivi dias felizes tendo-o como colega de redação nas revistas BRAVO! e República. Em tudo, um homem invulgar. Era a única pessoa que eu permitia postar-se ao lado do micro enquanto eu escrevia um texto. Com olhos de uma agilidade infantil, antecipava-se, às vezes, às palavras. E lá vinha: “Filhinho, por que a gente (sic) não escreve tal coisa?”. A gente? Bruno vivia dentro de muitos textos. Eles eram de todos e de ninguém.
Estou triste, devastado por sua morte, com a sensação, comum nesses casos, mas incomum quando se trata de Bruno Tolentino, de que eu poderia ter aprendido ainda mais, de que talvez eu tenha falado demais e ouvido de menos. Bruno era genial, contraditório, fabuloso, no sentido mesmo da palavra. Sou, como sabem, aborrecidamente lógico, o que vale para os amigos, que acatam o defeito, e para os inimigos, que, às vezes, se enfurecem. Muitas vezes, eu o flagrei no que, para mim, era uma contradição inelutável. Apontava-a, como é do meu temperamento: “Não, não, filhinho, você não entendeu”. E a sua resposta saía então da literatura, da sua cultura imensa, de uma certa realidade mágica onde vivia o poeta Bruno Tolentino. Eu, terreno demais, dava-me então por vencido.
Bruno fez um bem enorme à literatura e a seus amigos e, no pouco de mal que pode ter praticado, não atingiu ninguém, a não ser a si mesmo. E até isso era parte de sua obra. Foi, a meu ver, o último representante de um país que poderia ter sido. E que não foi e não será porque a política — também as políticas culturais — se amesquinha no populismo rasteiro, na apologia da ignorância, da pequenez. Bruno, ao lado de Faustino, morto tantos anos antes, tinha sede do épico.
O velório está sendo realizado no Cemitério Santíssimo Sacramento — Av. Dr. Arnaldo, 1.200, em São Paulo. Seu corpo será enterrado amanhã, às 9h. Os que vão morrer o saúdam, Bruno Tolentino.