Brucutus bucéfalos
Estou pouco me incomodando com o que dizem os brucutus bucéfalos a respeito de minha opinião sobre células-tronco. Reitero: eu até vinha procurando me manter longe dessa polêmica. Já havia escrito um texto bastante soft a respeito, dizendo que compreendia as razões dos que defendiam uma posição contrária à minha. Ainda agora, procurem uma só […]
O que me incomoda é a estupidez; o que me choca é a burrice; o que me irrita são esses torquemadinhas da suposta razão, que mal conseguem articular um parágrafo coerente. Ora, parem de encher o meu saco com afirmações imbecis como “o estado brasileiro é laico”. Não me digam! Havia alguma questão religiosa sendo discutida ali? Não que eu saiba. Isso é aquilo em que o ministro Celso de Mello quer que acreditemos — ministro que, diga-se de passagem, já havia antecipado o voto. Há cientistas — sim, também são cientistas — que acreditam que a vida começa na concepção.
Eu estava preparado para uma derrota tranqüila. Assim é a vida. É o que ensino às minhas filhas, especialmente à mais jovem, torcedora entusiasmada e jogadora de futebol. O QUE NÃO ACEITO E QUE VENHAM TRANSFORMAR A CONVICÇÃO RELIGIOSA NUMA MANIFESTAÇÃO ILEGAL. Mesmo num estado laico, a religião faz parte da cultura, da história, da moral, da ética.
Lamento a estupidez que toma conta do debate. Lamento a ignorância histórica de muita gente que está opinando como se estivesse numa luta de boxe. Mas a concepção que temos hoje no Ocidente da “igualdade entre os homens” é uma herança do cristianismo. Afinal, para os romanos, mulheres e escravos eram coisas… Não se estava julgando ontem, como se pode depreender do voto de Gilmar Mendes, uma questão religiosa. Mas é um estupidez obscurantista querer negar a influência religiosa na cultura brasileira, como muitos estão tentando fazer. Há imbecis escrevendo para cá indagando se acredito que “embrião tem alma”. Vão para o diabo com a sua cretinice.
Sim, alguns votos no Supremo colaboraram para essa brutalização do debate — e o de Celso de Mello entre eles, tomado que foi de uma ira santa (ou anti-santa) contra o suposto aporte religioso de quem se opunha à destruição dos embriões nas pesquisas. Ninguém evocou ali o nome de Deus. O fato é que se procurou fazer baixa exploração política do fato de um dos ministros, Carlos Alberto Direito, não ter vergonha — vejam a que ponto chegamos — de se dizer católico.
Tá bom… Hora dessas vai me dar na veneta, e ainda apontarei as simpatias deste ou daquele pelo petismo e pelo onguismo, por exemplo. Se não na pele do próprio magistrado, mas na de sua senhora e familiares. Uma coisa, assim, militante mesmo! Ora, se agora estamos nesta de mapear as afinidades eletivas, façamos o serviço completo.
Também sou grato pelas muitas manifestações dos que me acham brilhante para analisar política, mas um zero à esquerda em matéria de ciência. Não sou cientista e nem atribuo às pessoas que o são especial competência para tomar decisões que digam respeito à ética. Porque o debate de ontem, acreditem, não foi sobre ciência ou religião, mas sobre ética. Talvez fosse interessante a um cientista dissecar um humano vivo para fazer, por exemplo, um estudo sobre a dor. Mas creio que não seria ético — já os nazistas não tinham certos pudores.
A política não é assunto privado dos políticos, a ciência não é assunto privado dos cientistas, o direito não é assunto privado dos juristas. A se levarem a sério certos argumentos, viveríamos sob a ditadura de especialistas. Não caio nessa conversa. E o risco de os cientistas extrapolarem o mandato que estão recebendo da sociedade, sem uma comissão multidisciplinar que gerencie eticamente o seu trabalho, é imenso. Porque nem eles, na sua santa sabedoria, estão imunes às tentações corporativas.
E, bem, escreverei sobre isso quantas vezes achar que devo e me der na telha. A riqueza de alternativas na Internet é a serventia da casa.