Bento XVI contra a cultura da morte
A VEJA traz uma alentada edição sobre a renúncia de Bento XVI e suas muitas implicações. Reportagem de Mario Sabino, por exemplo, narra as muitas dificuldades que enfrenta o Sumo Pontífice no Vaticano. Não foram elas que decidiram em lugar do papa, é claro. Mas explicam em que contexto se deu a decisão que surpreendeu […]
A VEJA traz uma alentada edição sobre a renúncia de Bento XVI e suas muitas implicações. Reportagem de Mario Sabino, por exemplo, narra as muitas dificuldades que enfrenta o Sumo Pontífice no Vaticano. Não foram elas que decidiram em lugar do papa, é claro. Mas explicam em que contexto se deu a decisão que surpreendeu o mundo. A revista traz um artigo de duas páginas deste escriba. Reproduzo trechos. Leiam a íntegra na edição impressa.
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Ao anunciar que deixará o Pontificado no próximo dia 28, o papa Bento XVI tomou a mais ousada decisão na sua luta contra a cultura da morte e contra o relativismo, que hoje reivindicam o estatuto de um humanismo superior e que se infiltraram no seio da própria Igreja Católica. Em muitos aspectos, são os inimigos mais poderosos e articulados que ela jamais enfrentou. O Sumo Pontífice empenhado na preservação da “Cidade de Deus”, para lembrar Santo Agostinho (354-430), de quem é admirador confesso, apelou à experiência do cardeal Joseph Ratzinger, um profundo conhecedor da “cidade dos homens”, e agiu. O teólogo mais influente da Igreja nos últimos 35 anos pode, assim, articular a própria sucessão. Nos dias que se seguiram ao anúncio da decisão, o papa não disse boa parte do que lhe atribuíram e falou bem mais do que muitos perceberam. Ao renunciar, definiu um caminho. Você pode não acreditar em Deus, leitor. Mas evite o ridículo em que vejo cair muitos colegas, daqui e de fora, de não acreditar na clareza da Igreja.
Na Quarta-Feira de Cinzas, diante dos cardeais, Bento XVI censurou “os golpes dados contra a unidade da Igreja” e “as divisões no corpo eclesial”. No trecho mais significativo de sua homilia, a que se deu pouco destaque, citou o apóstolo Paulo: “Ele denuncia a hipocrisia religiosa, o comportamento que deseja aparecer, os hábitos que procuram o aplauso e a aprovação. O verdadeiro discípulo não serve a si mesmo ou ao público, mas a seu Senhor, na simplicidade e na generosidade”. No dia seguinte, num encontro com sacerdotes da Diocese de Roma, conclamou: “Temos de trabalhar para a realização verdadeira do Concílio [Vaticano II] e para a verdadeira renovação da Igreja”.
Os “golpes contra a unidade da Igreja” e as “divisões no corpo eclesial” não remetem às picuinhas de bastidores do Vaticano. É um erro ler a vida intelectual da Igreja como quem analisa as divisões internas do Kremlin, do Palácio do Planalto ou da CBF. Não se está discutindo se, depois da disciplina bronca de Dunga, é chegada a hora da bonomia molenga de Mano Menezes… O catolicismo é um pouco mais complexo. Ao citar São Paulo e lembrar que o “verdadeiro discípulo não serve a si mesmo nem ao público, mas a seu Senhor”, Bento XVI está afirmando o óbvio, frequentemente esquecido até pela hierarquia religiosa, especialmente pelos partidários de certa “Escatologia da Libertação”: para os católicos, a Igreja não é autora de uma verdade humana, submetida a uma permanente revisão, mas a depositária de uma verdade revelada por Deus, que é eterna.
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Bento XVI renunciou ao comando dessa Igreja para que a Igreja não corra o risco de renunciar a si mesma e à herança que nos torna filhos de Deus porque filhos do homem.