As formas do falso
Leia o que vai em vermelho. Retomo depois: O governador de São Paulo, José Serra, demonstrou que seu apetite pelo poder, de fato, não reconhece limites. Ele deu uma palestra a empresários nesta quarta, em Belo Horizonte, território do também presidenciável Aécio Neves. Serra não viu nenhum problema em dar opinião na sucessão à Prefeitura […]
O governador de São Paulo, José Serra, demonstrou que seu apetite pelo poder, de fato, não reconhece limites. Ele deu uma palestra a empresários nesta quarta, em Belo Horizonte, território do também presidenciável Aécio Neves. Serra não viu nenhum problema em dar opinião na sucessão à Prefeitura da capital mineira. Embora Aécio até possa apostar numa aliança com o PT, o governador de São Paulo classificou isso de inadmissível e disse que os interesses de Minas não podem estar acima dos interesses do Brasil.
Demonstrando que não pretende hostilizar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Serra declarou aos empresários mineiros que mantém “uma excepcional relação pessoal com o presidente Lula”. E foi adiante nas especulações. Segundo Serra, uma aliança com o PT a curto prazo seria difícil. “Mas, a médio prazo, não seria impossível.” Ele acredita que esta aproximação seria mais fácil em torno de projetos e não de nomes. Estaria Serra pensando em si mesmo?
Voltei
Eis aí. É claro que a notícia acima é falsa. Serra não esteve em Minas. Aécio é que esteve em São Paulo. Serra não se meteu na sucessão de Belo Horizonte. Aécio é que se meteu na da capital paulista. Serra não especulou sobre a aliança com o PT; Aécio é que o fez. Abaixo, agora sim, em azul, seguem as coisas como se deram , segundo reportagem do G1. Retomo depois:
O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), sinalizou que seu partido tem a possibilidade de fechar um acordo, a médio prazo, com o PT.
“Tenho que ser otimista e acredito que se for construído um projeto [para o país] é possível a formação de novas alianças. Em Minas Gerais, tenho uma relação próxima com setores do PT, com sintonia de idéias e pensamentos. Encontramos mais convergências do que divergências”, disse o tucano em palestra para cerca de 50 empresários da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), em São Paulo.
Numa referência à tradicional aliança que os tucanos mantêm com os Democratas no Estado de São Paulo, Aécio disse que a política paulista influencia muito a brasileira e também as legendas. Porém, advertiu que “esta não é uma lógica para o resto do Brasil”.
“Não podemos permitir que a radicalização política de um estado, seja ele qual for, nos imponha uma camisa de força que impeça o Brasil de avançar.”
Na avaliação de Aécio Neves, uma aliança com o PT a curto prazo seria difícil. “Mas a médio prazo não seria impossível.” Ele acredita que esta aproximação seria mais fácil em torno de projetos e não de nomes.
O governador mineiro disse ainda que, se o embate eleitoral for eliminado, PSDB e PT possuem muitas convergências. “Talvez este seja o meu papel, o de atuar na construção de pontes. Sou muito mais construtor do que dinamitador. Até porque para dinamitar, no Brasil a fila está muito grande.”
Alckmin x KassabO governador de Minas disse que o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) poderia pleitear qualquer cargo – seja a prefeitura de São Paulo, o governo estadual ou a Presidência da República.
A afirmação foi uma referência à pesquisa DataFolha sobre a sucessão municipal da capital paulista, que aponta Alckmin na liderança.
“Não quero me intrometer, e nem devo, na política paulista. Mas um homem que teve 40 milhões de votos nas últimas eleições é um ator absolutamente fundamental no processo interno do PSDB porque tem respeito, credibilidade e autoridade política.”
Apesar de demonstrar preferência ao candidato de seu partido, Aécio comentou o fato de o aliado e atual prefeito da cidade, Gilberto Kassab (DEM), ter chances na eleição, de acordo com a pesquisa. “Tenho respeito pelo prefeito Kassab e vejo que ele cresce. Isso é positivo”.
Crescimento
Na entrevista que concedeu após o encontro, o governador de Minas fez questão de dizer que mantém “uma excepcional relação pessoal com o presidente Lula”, mas não deixou de criticar o baixo índice de crescimento brasileiro.
“Lamento que o Brasil esteja perdendo a oportunidade de sair deste crescimento medíocre, e a turbulência na economia mundial acende a luz amarela.”
Retomando
Vocês têm alguma dúvida de que a embocadura daquela falsa reportagem, a que está em vermelho, seria a dada por boa parte da imprensa e pelo colunismo se as personagens estivessem trocadas? Eu não tenho. Mas, como se trata do Aécio, que goza de certa proteção de parte da imprensa e do colunismo, seu nome será vendido como a de um conciliador.
Ao falar o que fala, Aécio faz tabula rasa de todos os problemas éticos da administração petista — incluindo o seu apoio ao notório Renan Calheiros — e o absolve, sim, do seu polêmico passado. Estamos em vias de o Supremo dizer que destino dará à investigação do mensalão. Pelo visto, o governador de Minas não vê qualquer problema naquele imbróglio. Bem, com efeito, não custa lembrar que a tecnologia é mineira, mas quem lhe deu proporções industriais foi mesmo o petismo.
É evidente que ultrapassa o limite da elegância e da boa convivência o governador de Minas se meter na sucessão da capital paulista, quando menos porque ela depende de uma costura entre os dois partidos aqui aliados. Mas Aécio aproveita para jogar uma de suas bolas prediletas: o preconceito antipaulista. Segundo ele, o clima de São Paulo não pode determinar o que acontece no Brasil. E ele o diz, claro, em São Paulo, sem o qual, sabe bem, não se elege presidente.
O trecho da notícia que mais me comoveu foi este: “O governador mineiro disse ainda que, se o embate eleitoral for eliminado, PSDB e PT possuem muitas convergências. ‘Talvez este seja o meu papel, o de atuar na construção de pontes. Sou muito mais construtor do que dinamitador. Até porque para dinamitar, no Brasil a fila está muito grande’” Pois bem: quais são as convergências? Eu quero saber. E quem são os “dinamitadores”? Por enquanto, o que Aécio faz é alisar a pista do petismo e esburacar a de seu próprio partido. E calma lá. Que história é esta? Quer dizer que eleições são apenas rituais para pegar trouxa; que elas exercitam divergências que não existem?
Triste mesmo
Vejam só. Há dois dias debatemos aqui se PSDB e PT são a mesma coisa, se ambos são partidos de esquerda e coisas afins. Vocês acham o quê? Que as palavras de Aécio são de um esquerdista? Não me matem de rir. Seja lá o que isso for, é outra coisa. Não me espanta que a base eleitoral do PSDB queria o fim da CPMF, e ele seja o autor da proposta de reduzir a alíquota, dividindo a arrecadação com os estados.
Desculpem insistir: voltem lá ao meu artigo na VEJA, em que trato justamente da falta de programa das oposições. Traduzido em miúdos o que disse Aécio, ele se oferece para ser o candidato de consenso. Uma das articulações que estão em curso, vocês sabem, considera Aécio como o candidato a presidente — quem sabe pelo PMDB — e Ciro Gomes como vice.
Tudo em nome dos interesses nacionais, como não? É isso aí. Está na hora de São Paulo parar de atrapalhar Minas Gerais e o Brasil, não é mesmo?