A oposição no Congresso fuma o seu silêncio e experimenta o barato de não reagir
Se alguém tivesse me pedido para ler o texto escrito por FHC antes de ele ser publicado — e não estou me oferecendo para jornadas futuras porque não tenho tempo para tanto nem me caberia fazê-lo —, eu teria recomendado: “Presidente, tire a palavra-fetiche daí; vão usá-la para torcer o seu pensamento. Não é que […]
Se alguém tivesse me pedido para ler o texto escrito por FHC antes de ele ser publicado — e não estou me oferecendo para jornadas futuras porque não tenho tempo para tanto nem me caberia fazê-lo —, eu teria recomendado: “Presidente, tire a palavra-fetiche daí; vão usá-la para torcer o seu pensamento. Não é que vão tirar o parágrafo do contexto; darão um jeito de descolar a palavra até do parágrafo.” Não sei se teria sido atendido. Há em alguns tucanos certa inocência derivada do tempo em que o pensamento podia aspirar a algum rigor, sem ter de ficar pagando pedágios morais, ideológicos e até midiáticos — afinal, o “povão” entrou na moda. Tucanos, em sua tolerância — a maioria deles ao menos —, também gostam de se mostrar inclusivos, sem discriminar ninguém.
O iFHC, por exemplo, fez um seminário sobre “Cultura das Transgressões” e levou para o debate os petistas Paul Singer — de carteirinha — e Renato Janine Ribeiro, que leva a estrela só no coração; consta que não é filiado. Quando Lula fizer o seu, é provável que tucanos não entrem lá para debater nem disfarçados de cachorro, como Bruno Tolentino dizia que não conseguiria entrar na Fefeleche… Caso consigam passar despercebidos, é provável que não consigam falar. Os não-companheiros têm com os companheiros um dever de tolerância que os companheiros não se sentem obrigados a ter com os não-companheiros, entenderam? Desculpem a incompetência do escriba. Ainda não cheguei ao ponto, que remete o meu título. Quero chamar a atenção para o fato de que setores da imprensa e os petistas se aproveitaram de um “deslize” besta — já explico a palavra — do texto de FHC para alimentar uma teoria: “Tucanos não gostam de pobres”. Que o PT o faça, vá lá; o problema é parte do jornalismo ter entrado na onda.
Antes que prossiga, uma consideração. Só classifico como deslize o emprego da palavra “povão” porque acho que FHC ignorou o peso dessa metafísica da boçalidade que contamina boa parte do pensamento — em si mesma, a passagem era claríssima e não poderia ser confundida, de modo nenhum, com demofobia, a menos que fosse submetida a um processo de “analfabetização” moral. Só que ela foi… Pois bem: um deslize (não um ato falho), então, nessas circunstâncias que relato, vira matéria de debate político. As oposições, no entanto, com um caminhão de motivos, não conseguem envolver a sociedade na suas pelejas. Por quê?
Volto ao caso Asfor Rocha, noticiado pela VEJA neste fim de semana. Reitero: fosse um sujeito qualquer a afirmar que sua possível indicação ao Supremo foi obstada por história escabrosa espalhada pelo presidente da República, vá lá… Mas não! É o próprio ministro do STJ quem admite ter ouvido de fonte segura que Lula o acusava de um crime grave. A principal personagem do imbróglio era Roberto Teixeira, “consultor” da empresa que poderia se beneficiar de uma eventual decisão favorável de Asfor, que não veio. E, vejam que espanto!, faz-se um silêncio sepulcral a respeito.
Querem outro exemplo aparentemente besta, mas altamente mobilizador (e cumpre aos políticos, entre outras coisas, se interessar pelas urgências que estão nas ruas)? Um deputado petista, Paulo Teixeira (SP), líder do partido na Câmara, defende a criação de “cooperativas para o plantio” de maconha. O líder do Senado, Humberto Costa (PE), considera o debate bem-vindo; o do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), diz discordar, mas também avalia que a discussão é pertinente… Tudo muito bem, tudo muito bom! Estamos apenas naquele pantanoso terreno dos costumes? Acho que não! Uma das promessas solenes da então candidata Dilma Rousseff era criar um plano nacional de combate ao crack, que hoje devasta as cidades brasileiras — inclusive as pequenas. Eis que seus homens fortes no Congresso estão envolvidos com o tema fascinante da descriminação da maconha. E o programa contra o crack? E o que pensa a oposição a respeito? Fuma o seu silêncio e parece experimentar o barato de não pensar.
Quando falo em reação, refiro-me a algo organizado, que tenha uma direção. Não basta um discurso no Senado ou na Câmara; não basta um protesto do Twitter, no FaceBook ou na página pessoal. É preciso apresentar uma crítica organizada, sistematizada, clara, com propostas. Se tudo faltasse, cumpriria lembrar que, durante a campanha eleitoral, propostas objetivas foram feitas pelo candidato de oposição. São válidas? Não é nada daquilo? É outra coisa? Não cabe ao menos criticar o debate irresponsável, irrefletido, que vem sendo promovido por Teixeira? A população não tem o direito de saber o que pensam os oposicionistas?
Ocorre que, nesse caso, há o medo pânico de comprar briga com os tais “formadores de opinião”, os “descolados” influentes, sempre mais amigos da maconha do que da lei. Mesmo quem tem o que dizer teme a patrulha politicamente correta, sobretudo da imprensa, que é também “maconheiramente correta”. Vai que os oposicionistas dêem um cacete nas drogas e fiquem, depois, com fama de “direitistas”! Isso nunca! Melhor a suspeita de ser aliado objetivo de traficante! Depois reclamam quando Jair Bolsonaro (PP-RJ) trata a coisa à sua maneira…
Todos preferimos que a economia, por exemplo, se mantenha relativamente blindada de problemas políticos conjunturais, mas em que lugar do mundo um ministro da Fazenda daria as declarações que Guido Mantega deu na semana passada sem uma reação forte, organizada, da minoria? Se bem se lembram, ele explicitou um dilema: se o real sofresse uma desvalorização, seria ruim para o controle da inflação; valorizado como está, cria empecilhos paras exportações; se eleva os juros para conter a inflação, que resiste, o dólar cai ainda mais.
Não estou sugerindo, obviamente, que as oposições sejam tão irresponsáveis quanto costumava ser o PT quando estava do outro lado do balcão — é ainda hoje quando se opõe a governos estaduais e municipais. Mas noto o óbvio: não existe oposição sem confronto de idéias, de teses, de pontos de vista. Alguém dirá que os partidos fora do arco governista ainda estão se arrumando, envolvidos em rachas internos. É verdade. Mas isso não pode ser servir de desculpa para o que caracteriza uma óbvia omissão.