A MINHA MUSA E O MARAT DOS ALAGADOS

Ontem, quando o céu começou a desabar em São Paulo — choveu em duas horas o correspondente a oito dias —, ironizei aqui: “Kassab e Serra provocam outro temporal em SP”, antecipando que hoje a imprensa filopetralha da capital e do estado daria um jeito de culpar os dois. E ainda emendei: “Se o PT estivesse na Prefeitura e no governo do Estado, é claro que não choveria isso tudo.”

Era uma provocação, e eu imaginava qual seria a reação: “Ah, então ninguém deve cobrar a responsabilidade dos dois!!!” Como qualquer governante, eles têm de ser cobrados. Apenas aponto a diferença de tratamento. A anunciada tragédia das cheias no Nordeste,  por exemplo, especialmente no Piauí, foi, por acaso, debitada na conta dos governos do Estado e Federal? Ou os petistas Wellington Dias e Luiz Inácio Lula da Silva têm fórum especial em matéria de cheias?

O caso do Jardim Pantanal beira o surrealismo. Invasões que começaram há duas décadas criaram bairros que, atenção, ficam às margens do Tietê, abaixo do leito do rio. Estão inundados há nove dias. Não há o que fazer. Perto de sete mil  famílias devem ser retiradas dali. Atribuir, como se tem feito, as condições do local a questões de investimento em obras contra enchentes é vigarice intelectual e, lamento dizer, proselitismo partidário.

Vereadores e deputados do PT e do PSOL pegam a execução orçamentária, fazem a leitura que bem entendem e pautam a imprensa. É fato. Ontem, eles estavam lá. E Laura Capriglione, a minha musa, repórter da Folha, também. Leiam um texto seu no jornal de hoje. Ela informa que as pessoas estão vivendo em meio ao esgoto. Aponta o motivo: “A ETE (Estação de Tratamento de Esgotos) da Sabesp em São Miguel ficou parada durante oito dias – desde a chuva do dia 8.” E atravessamos boa parte do texto acreditando que se trata de negligencia do governo.

Ela é ainda mais precisa: “Segundo o engenheiro Leonardo Citadella, gerente do departamento de esgoto da estatal da gestão José Serra (PSDB), um fluxo de 450 litros de esgoto por segundo, produzido por casas e indústrias da zona leste, deixou de receber qualquer tratamento.” Só mais tarde descobrimos o, digamos, “motivo do motivo”: “Como seus vizinhos flagelados do Jardim Pantanal, a estação localizada na margem esquerda do rio Tietê viu a água subir mais de metro. A central de comando perdeu computadores, houve princípio de incêndio na telefonia (cujos fios correm junto ao chão) e, o pior, todas as bombas de esgoto foram inundadas e pifaram.” Deve ser culpa “da estatal da gestão José Serra”…

O deputado Adriano Diogo, adivinhem de que partido, estava lá. Diante da informação de que a Prefeitura vai remover os moradores dali já que não há, e não há, o que fazer, ele mandou ver: “O que estamos vendo aqui são omissões criminosas que visam a punir e a expulsar as populações pobres de São Paulo”. Entenderam? A enchente numa região que fica abaixo do leito do rio decorre da omissão criminosa da Prefeitura e do governo do Estado que, segundo este amigo do povo, este Marat dos alagados, querem expulsar a população pobre.

Adriano Diogo, pelo visto, quer que os moradores do Jardim Pantanal fiquem por ali mesmo. Vai ver é por isso que a ocupação irregular da região cresceu bastante na gestão de Marta Suplicy. Duvido que o rapaz aparecesse por ali para molhar a sola do sapato.

Há coisas que são mais previsíveis do que a enchente depois da chuva. É o caso da minha musa. Previ e acertei. Não obstante, o PT continuará a acusar a Folha de tucana e de jornal da oposição. E a Folha continuará a tentar provar para o PT que ela não é. Para satisfação do PT, que, então, continuará a acusar a Folha, que continuará etc.

Vejam lá o artigo no alto desta página. Também no Jardim Pantanal, conta-se a história de Chapeuzinho contra o Lobo Mau. Em matéria de fábula, Laura, a minha musa, é imbatível.

Só pra constar: a Prefeitura já vinha fazendo o cadastramento das famílias para retirá-las daquela região. No local, será construído um parque.

PS – Um bobalhão manda um comentário: “Ah, você não quer culpar Serra e Kassab pela enchente, mas bem que culpou Lula e Dilma pelo apagão”. Não, não culpei. Escrevi e reitero que o governo federal não tem a mais remota noção da razão da fantástica ocorrência. E apontei as mentiras que foram contadas, como a história do raio, negada pelo INPE. No Jardim Pantanal, é batata: o Tietê começa a encher, a área inunda. Fim de papo. Solução: retirar os moradores dali. No caso do apagão, a gente só pode torcer para não acontecer de novo. Solução: rezar.

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