A LUTA DE CHAPEUZINHO VERMELHO CONTRA O LOBO MAU. OU: DE DEMOFÓBICOS E DEMOFÍLICOS
Lembram-se de Paula Oliveira, a brasileira que disse ter sofrido um ataque de neonazistas na Suíça? Certa imprensa nativa resolveu, à época, como se diz, “bombar” o assunto, transformando o caso, a despeito das inconsistências, numa luta entre os países ricos e os países pobres. Celso Amorim, para não variar, entrou na história dizendo bobagens. […]
Lembram-se de Paula Oliveira, a brasileira que disse ter sofrido um ataque de neonazistas na Suíça? Certa imprensa nativa resolveu, à época, como se diz, “bombar” o assunto, transformando o caso, a despeito das inconsistências, numa luta entre os países ricos e os países pobres. Celso Amorim, para não variar, entrou na história dizendo bobagens. Viu um ataque se xenofobia e exigiu providências, com aquele sotaque da pátria ofendida. Já se sabe que, por alguma razão, Paula inventou o ataque, a gravidez de gêmeos, o aborto… Um tribunal de Zurique a condenou ontem a pagar duas multas por falsa denúncia, num total de R$ 20,5 mil. Ela também vai arcar com as custas do processo, mas poderá permanecer no país.
Lamento este drama humano como lamento qualquer outro. A questão que me interessa é refletir um pouco sobre o papel da imprensa nessa história. Uso o caso para uma reflexão um pouco mais ampla, como verão. O que escrevi no meu primeiro texto sobre o assunto? O que segue:
“(…) os agressores não fizeram nenhuma questão de disfarçar o seu propósito, não é? A sigla de um partido político que a oposição acusa de ser racista – atenção: não se trata de um partido clandestino, neonazista, mas de uma legenda legalmente constituída – foi gravada no corpo de Paula. E se deve notar: mesmo no escuro, num ato apressado, sob o temor óbvio de serem vistos por alguém, ainda não se descuidaram da simetria, procurando distribuir com equilíbrio [em seu corpo] as marcas da selvageria. As letras obedecem a um traçado cuidadoso, firme, sem aparente variações de profundidade.
(…) Na hipótese de os agressores serem mesmo simpatizantes do Partido do Povo Suíço (SVP, sigla da legenda em alemão), esperam que isso aumente a simpatia da população pela legenda, por mais que os suíços fossem, como se diz aqui e ali, indiferentes a agressões a estrangeiros? Fazem-no para chegar ao poder por meio do terror? Mas o partido já está no poder. E governa o país segundo as regras da democracia. Aqui e ali vejo certa contraposição porque a polícia suíça não teria “confirmado” a agressão e evita falar em “xenofobia e racismo”. Bem, antes da investigação, o que se espera que a polícia faça?”
Pois bem… O mundo desabou sobre a minha cabeça. “Está apoiando os neonazistas!” “Só porque ela é brasileira, você está duvidando da história! Você é suíço por acaso?” “Ah, não quer acusar os direitistas da Suíça”… E muitas bobagens desse gênero. Eu, o que fazia — e acho que é obrigação do jornalismo (a rigor, obrigação de qualquer pessoa razoável) — era apontar aspectos da história que me pareciam inconsistentes, só isso, evitando o oba-oba, evitando a patriotada. E, como se nota, eu estava certo.
Infelizmente, a imprensa é prisioneira, hoje mais do que nunca, do pensamento politicamente correto. Está preparada para desconfiar de governos — desde que não sejam de esquerda —, mas não resiste a contar, em cada episódio que vê, narra e analisa a fábula de sempre, a fantasia corriqueira, o clichê que mais paralisa a inteligência: a luta do opressor contra o oprimido.
Se vocês notarem, boa parte das questões políticas — e até muitos dramas humanos — na televisão repetem a fábula do Chapeuzinho Vermelho. Sim, desidrate as histórias de aspectos puramente circunstanciais, e é batata: um Lobo Mau está sempre tentando enganar uma inocente Chapeuzinho, usando, para tanto, de detestáveis artimanhas. Com alguma sorte e alguma esperança, o Bem — Chapeuzinho Vermelho (especialmente se vermelho) — vai vencer o mal.
Vejam a cobertura que se faz da Barafunda de Copenhague. Todos aqueles milhares de pessoas que estão lá são boas e só desejam um mundo melhor. E estão tendo de enfrentar os lobos, que tentam usar de ardis os mais escandalosos para comer a vovozinha, a criancinha, os porquinhos e o que aparecer pela frente. E ai de quem não estiver munido desse espírito do Bem: são todos amigos do lobo. Digam-me: vocês têm uma boa hipótese para o fato de até alguém como Barack Obama — que chegou a ser canonizado — gostar menos do planeta do que este grande benemérito da humanidade chamado George Soros? Se Soros está de braços dados com Chapeuzinho, e Obama, com o Lobo, não lhes parece que algo está fora do lugar?
Eu me interesso por essas aventuras intelectuais, sem dúvida. A fantasia de que as pessoas que estão nas ruas, mobilizadas, estão sempre certas, em contraste com as pessoas erradas, sitiadas em seus palácios, vem do século 18, é fruto do Iluminismo francês e de sua revolução — que o marxismo categorizou como “burguesa”. Até ali, considerava-se que a horda representava um risco para a civilização. Huuummm… Tio Rei, em certo sentido, é pré-revolucionário (e haverá quem não perceba humor aqui… Pena!).
As melhores conquistas daquela “revolução” se deram nos momentos de inflexão, quando as massas tiveram de se recolher. É fato, não é gosto. “Ah, como você é demofóbico!”, grita o demofílico, filho do jacobinismo, do marxismo e, embora renegue, do fascismo!
Embora o Ocidente tenha dado ao homem uma vida como jamais houve — JAMAIS!!! —, ronda-nos permanentemente o espírito da rebelião das massas. Alguns sábios e cientistas resolveram ser a expressão intelectual desse espírito, conferindo à idéia do levante, que também pode se manifestar por meios pacíficos (desde que se mantenha o horizonte utópico da virada de mesa), o suposto rigor de um suposto método. A equação se torna irresistível: “povo” (o “povo”, entenda-se, é sempre a minoria militante) na rua mais a ciência — a politicamente correta ao menos.
E temos o que se vê: um formidável show de desinteligência e de burrice. Porque não se enganem: o saldo de Copenhague já está dado. Como a China, a Índia e os EUA não mudarão de posição, só restará ao escatológicos decretar o insucesso de Copenhague. Como em qualquer seita milenarista, os crentes sairão convencidos de que os não-crentes rejeitam a salvação. Nessa fábula, então, a vitória seria do Lobo Mau — ou do capeta?
Mais ou menos. Que as semelhanças estruturais não sejam uma jaula para o pensamento, né? Declarar a vitória do Lobo será a forma que os Chapeuzinhos das ONGs terão para reivindicar ainda mais recursos para manter a sua incansável luta para nos salvar.