A loucura brasileira 2 – Pacote turístico no Rio inclui papo com traficante e visita a boca de fumo
Hoje é, aliás, um bom dia para se falar de Marcha da Maconha. Leia trechos de uma impressionante reportagem de Vinícius Queiros Galvão, na Folha deste domingo. Volto depois:*Muito além daqueles jipes que promovem passeios à moda de safáris na favela da Rocinha, a maior da zona sul do Rio, uma agência de turismo oferece […]
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Muito além daqueles jipes que promovem passeios à moda de safáris na favela da Rocinha, a maior da zona sul do Rio, uma agência de turismo oferece agora uma outra modalidade de pacote, incluindo bate-papo com traficantes armados.
Incógnita, disfarçada de turista estrangeiro, a Folha fez o percurso promovido pelo guia Pedro Novak, da Private Tours, que consta do catálogo oficial da Riotur, a empresa de turismo da prefeitura carioca.
“Vamos caminhar dentro da favela, dar de cara com eles, com os “soldados”, o pessoal armado que protege a área lá em cima. Dá para conversar, me conhecem”, diz Novak ao explicar, por telefone, o roteiro.
Ao chegar à Rocinha, o primeiro sinal do tráfico é a presença de olheiros, que fazem a vigilância em cima de lajes -morteiros à mão, para emitir o alerta da presença policial.
No início da incursão pelos becos da favela, o guia diz ter encontrado um traficante. “Vamos lá que vou te apresentar.”
É Marcos, que se diz “soldado do tráfico” e conta que já passou nove anos e oito meses na prisão. “Diversas vezes estive na cadeia. Ao todo foram três fugas e oito tentativas.”
Para ele, a principal preocupação “é a polícia” e os “inimigos”, a facção rival Comando Vermelho. Hoje, a ADA (Amigo dos Amigos) tem o controle da venda de drogas na Rocinha, onde Marcos, de arma na cintura, afirma ter aprendido a manejar “diversos calibres”. Ao final da conversa, deixa um número de celular com o guia.
(…)
Às 19h, na base do morro da Rocinha, numa das partes mais movimentadas da favela, a via Ápia, garotos que aparentam não ter mais de 15 anos fumam cigarros de maconha maiores que os próprios dedos. São os “aviõezinhos” do tráfico. Ali mesmo vendem papelotes, embrulhinhos de cocaína ou de outras drogas quaisquer.
O esquema funciona no sistema “drive-thru”: os motoristas passam de carro, abaixam o vidro -como se houvessem previamente combinado-, recebem a encomenda e entregam o dinheiro.
Não há diálogo, e a ação, que não dura mais do que alguns segundos, é mecânica.
O passeio pela boca-de-fumo faz parte do pacote turístico, que custa R$ 90 e dura quatro horas. “É onde os playboys compram drogas”, diz o guia.
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Comento
Viram só por que a Marcha da Maconha é só uma ociosidade para distrair “playboys”, como dizem lá no morro? Como se lê, todo mundo sabe onde comprar drogas sem ser molestado ou incomodado pela Polícia. E aposto que os que vão à boca pegar o seu pó e o seu fuminho reclamam da (in)segurança pública, não é? Acham o quê? Que a legalização das drogas empurraria os traficantes para trabalho com carteira assinada? É um raciocínio, na melhor das hipóteses, estúpido.
O que se vê no Rio é nada mais do que o ciclo da impunidade. Só isso. Que tal acinte seja permitido, com áreas da cidade ocupadas pelo narcotráfico, é uma piada do establishment político brasileiro, que junta ideologias: esquerda e direita se opõem a que as Forças Armadas entrem no combate ao banditismo organizado. Alegando as mais variadas razões, a impunidade une todos num abraço insano, mas quem paga o pato é a população pobre, que continua refém do narcotráfico.
A violência brasileira se tornou uma atração turística. Volto a Diogo Mainardi na coluna desta semana na VEJA: “Se o risco de tomar um calote por aqui diminuiu, o risco de tomar um tiro na testa continuou igual. No mesmo dia em que os jornais comemoravam o BBB-, conferido pela Standard & Poor’s, O Globo publicou uma reportagem sobre os 18.000 cadáveres recolhidos todos os anos das ruas do estado do Rio de Janeiro. Em média, cada cadáver demora sete horas para ser recolhido pelo Corpo de Bombeiros. Esse também é um bom critério para classificar os países: o grau de naturalidade com que se relatam os horrores cotidianos.”
Pode-se até punir a agência de turismo. Em seu lugar, surge outra para fazer o mesmo serviço. Afinal, a atração está lá, não é? Sem dúvida, Raposa Serra do Sol não pode se constituir numa espécie de território independente do Brasil. Os militares estão certos. Falta agora que se tomem as medidas para devolver ao povo brasileiro as áreas que já foram ocupadas pelo narcotráfico. Também é uma questao de território.