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Reinaldo Azevedo

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A lógica e as falsas questões

Poucas coisas são tão prejudiciais ao Bem quanto o rebaixamento banalizado do bem. Querem um exemplo? Pois não! Vejam o caso das transmissões ao vivo das sessões do Supremo Tribunal Federal. Há quem defenda que os encontros sejam filmados e editados, com destaque para as questões juridicamente relevantes. Por aclamação, o Conselho Federal da Ordem […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 17h42 - Publicado em 4 Maio 2009, 20h56
Poucas coisas são tão prejudiciais ao Bem quanto o rebaixamento banalizado do bem.

Querem um exemplo? Pois não! Vejam o caso das transmissões ao vivo das sessões do Supremo Tribunal Federal. Há quem defenda que os encontros sejam filmados e editados, com destaque para as questões juridicamente relevantes. Por aclamação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) rechaçou o que chamou de “censura”.

Pura retórica balofa! Até parece que as sessões das cortes supremas da maioria das democracias, que não vão ar, são menos democráticas do que as brasileiras. Besteira! E que se note: não estou defendendo que cessem as transmissões. Só estou deixando claro que não são elas a tornar menos ou mais democrática a Corte. Isso é conversa mole pra boi dormir; mera confusão entre democracia e democratismo.

Dada a raridade com que se recorre à lógica no Brasil, inclusive no STF, talvez seja inútil o que escreverei neste parágrafo. Mas não desisto. Se a transmissão torna a sessão mais democrática, admite-se que a exposição pública interfere nos juízos dos digníssimos. Admitida tal possibilidade, quero que alguém me prove que tal interferência não pode ser, então, deletéria também por causa das câmeras. Entenderam? O argumento da “democracia a mais” é falacioso em si mesmo e parte do princípio de que a corte seria mais facciosa sem transmissão ao vivo, o que, no caso, corresponde a admitir que pode ser facciosa também por causa dela. É uma questão de lógica primária. Fui claro ou preciso desenhar para o Conselho Federal da OAB?

O que eu acho? Acho que há ministro querendo aparecer para as câmeras, comportando-se, assim, como a Elke Maravilha da antiga Discoteca do Chacrinha: no júri, cabia à sua personagem dizer o que o público gostava de ouvir. Ela vocalizava o pensamento das ruas — no caso do STF, em vez da Constituição, da doutrina e da jurisprudência, o alarido, o senso comum e o populismo. Qualquer bobalhão que diga em qualquer corte do país que, por aqui, só se faz justiça para os ricos será entusiasticamente aplaudido. Ainda que isso fosse rigorosamente verdadeiro, a simples declaração não muda nada. Ao contrário: consegue pôr sobre a Justiça uma sombra nova de suspeição sem nada corrigir. Desmoraliza-se, assim, também o que funciona.

Estamos falando de democracia? Então por que não transmitir as reuniões ministeriais na íntegra? Adoraria assistir a um debate, por exemplo, sobre a necessidade de mudar a correção da caderneta de poupança. A questão é a mesma — aliás, no que respeita ao Executivo, o alcance das decisões é ainda maior. Um julgamento no Supremo costuma afetar direta e imediatamente as pessoas envolvidas na causa. A menos que dali saia uma súmula vinculante — e, mesmo nesse caso, para que diga respeito ao cidadão A ou B, é preciso que este A e este B estejam envolvidos em causa semelhante. Já as decisões do Executivo costumam mexer com a vida de muitos milhões ao mesmo tempo.

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Se democrático é transmitir sessões do Supremo, muito mais democrático é transmitir ao vivo reuniões ministeriais. Estou doido para ver Dilma e Guido Mantega numa refrega para ver quem quer dar mais benefícios ao povo… Pagaria uns tostões para assistir a um debate interno sobre taxa de juros e spread bancária entre o já citado Mantega e Henrique Meirelles. E notem: nenhum de nós votou em juiz do STF — e acho que não deveríamos votar mesmo. Mas votamos no presidente.

Duvido que mudem alguma coisa. A maioria dos ministros certamente seria contra. Imagino os discursos emocionados de um Ayres Britto, tio do Cézar Britto, presidente do Conselho da OAB, contra o que talvez chamasse “censura” — faço tal suposição levando em conta a largueza poética com que o ministro costuma empregar a palavra em seus votos.

As transmissões ao vivo do Supremo levaram para dentro da corte a tentação populista. Há ministros mais ocupados em ser populares do que em ser justos. Há ministros mais preocupados com a voz rouca das ruas do que com a voz cega das leis. E isso é péssimo para o Brasil porque rebaixa a sua democracia. Se me fosse dado votar, votaria pela transmissão das sessões editadas, segundo o que é juridicamente relevante.

Não queimarei muito combustível por isso. Só não me venham com essa bobagem de que uma coisa é mais democrática do que a outra. Sem responsabilidade, sessões abertas ou fechadas podem macular a democracia. Mantida a TV ao vivo, é bom que alguns senhores se lembrem de que são apenas 11 num mar de quase 190 milhões de pessoas. Ou suas falas são responsáveis ou devem, atraídos pelos holofotes, optar pela política ou pelo mundo das celebridades.

Juiz que fala para as câmeras pisca um olho para o diabo do populismo e os dois para a ditadura da opinião pública, que costuma ser um tanto inconstante. O mundo das leis, se preciso, corrige a voz das ruas; mas a voz das ruas muda o mundo das leis por meio do Legislativo apenas. É a regra.

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