A LÍNGUA PORTUGUESA E A LÍNGUA DA EMBROMAÇÃO
(leia primeiro o post abaixo) O mais importante na nota da Procuradoria da República em São Paulo é o seu conteúdo, que desmoralizo no post abaixo. Mas a forma também é relevante. Afinal, a função de uma “Assessoria de Comunicação” é “comunicar”. Ter o domínio da língua, para alguém dessa área, é tão importante quanto […]
(leia primeiro o post abaixo)
O mais importante na nota da Procuradoria da República em São Paulo é o seu conteúdo, que desmoralizo no post abaixo. Mas a forma também é relevante. Afinal, a função de uma “Assessoria de Comunicação” é “comunicar”. Ter o domínio da língua, para alguém dessa área, é tão importante quanto é para um cirurgião saber “costurar” um abdômen depois de abri-lo. Se o máximo de alfabetização a que a área de imprensa da Procuradoria conseguiu chegar está revelado na nota, estamos feitos. “Nunca antes da história destepaiz” tanta ignorância se revelou em tão poucas linhas.
Suponho que um redator qualquer escreveu a estrovenga. Responsável que é, o sr. Marcelo Oliveira, chefe da área, deve ter lido. E certamente pensou: “Está ótimo!”. E o troço foi ao ar. Como o sr. Oliveira está lá para cuidar da comunicação, não para fazer política, sugiro que ele seja demitido e que seja contratado em seu lugar alguém com algum domínio da “Bela”, já que a nossa língua, sob os seus cuidados, é apenas “Inculta”.
Que importância tem isso? Reitero: não é mais importante do que o conteúdo da nota. Mas revela um estado de coisas. Revela um país em que as pessoas se qualificam para cargos menos por suas habilidades do que por suas afinidades eletivas. Às barbaridades.
Há muitas, mas a maior delas está aqui:
São sobre essas operações de lavagem de dinheiro que trata o processo, que tramita normalmente perante à 2ª Vara Federal. A última movimentação processual constante é de fevereiro de 2010.
Não vou entrar em tecnicalidades gramaticais. Como todos vocês sabem, se é para usar essa construção abstrusa, o correto é: “É DESSAS operações (…) que trata”. Há um erro estúpido de concordância e outro de regência que evidenciam o que costumo chamar de analfabetismo de terceiro grau. O “povo” não cometeria tal erro porque não estaria preocupado em “falar direito”. Se Marcelo seguisse o mestre Lula, não teria caído nessa roubada. Pragmático, o Demiurgo do Brasil, na dúvida, opta logo pelo mais simples.
Atenção, Tio Rei ajuda:
O CERTO:
Marcelo, é dessas regras de gramática que lhe falei!
O ERRADO
Marcelo, são dessas regras de gramática que lhe falei.
Isso, Marcelo, é como o conteúdo de sua nota: parece ser uma coisa, mas é outra.
Outras bobagens graves
O corretor Lúcio Bolonha Funaro responde a ação penal 2008.61.81.007930-6, na 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro.
Errado! O certo é “à ação penal 2008.61.81.007930-6”. A ação está especificada. Há uma crase aí, e o acento grave é obrigatório.
Entretanto, tanto na documentação remetida pela PGR à São Paulo, que embasou a denúncia, quanto na própria acusação…
Deixarei de lado o seu “Entretanto, tanto” porque gosto não se aprende nem se ensina. Vamos ao que é possível:
Errado! O certo é “a São Paulo”.
O que é uma crase, leitor amigo? Ah, é a contração, a fusão, de suas vogais idênticas. Por exemplo: “Eu vou à Alemanha”. A gente põe aquele acento grave no “a” para indicar que houve a fusão de duas vogais “a”:
“Eu vou a + a Alemanha = Eu vou à Alemanha”.
A palavra “Alemanha” vem acompanhada do artigo “a”. Agora note, senhor Marcelo:
“Eu vou a Cuba”.
Não há crase — e, pois nem o acento grave.
Se bem que vou mudar o exemplo. Prefiro este:
“O senhor vai a Cuba” — eu prefiro ficar por aqui… Voltemos:
“O senhor vai a + Cuba = O senhor vai a Cuba”.
A palavra “Cuba” não vem acompanhada do artigo “a”.
É o que acontece com São Paulo!
“Documentação remetida a + São Paulo = documentação remetida a São Paulo”.
São Paulo não vem, nem poderia, acompanhado do artigo feminino “a”.
Atenção?
Nunca há crase antes de São Paulo? Referindo-me a cidade, por exemplo, eu poderia dizer:
“Marcelo foi remetido à São Paulo que ama a língua portuguesa”.
Temos:
“Marcelo foi remetido a + a São Paulo que ama a língua portuguesa”
Note que, nesse caso, estou me referindo a uma São Paulo em particular, àquela parcela das pessoas da cidade que ama a língua portuguesa. Aliás, eu lhe recomendo essa São Paulo. Pelo visto, o senhor conhece só aquela que a odeia.
A propósito: sentiu ali? Escrevi “àquela parcela”. Por quê?
“Estou me referindo a + aquela = estou me referindo àquela”
Há uma outra construção podre de chique a que o senhor pode recorrer:
“Ele escreveu uma nota à Marcelo”
Observe:
Neste caso, estou afirmando:
“Ele escreveu uma nota à moda de Marcelo”. É como alguém dizer:
“Comi um pato à Marcelo”
Encerro
Esses não são os únicos pecados da texto, não! Mas fico nas coisas mais óbvias.
Reitero: a nota que ofende a língua portuguesa acaba contribuindo, com a sua redação oblíqua, para ofender a verdade. E isso, sem dúvida, é o mais grave. Os motivos estão explicitados no post abaixo.