A Folha, Mino Carta e prazeres viciosos
Poucas coisas são tão constrangedoras quanto a senilidade moral se fingindo de perplexa. Como acontece às vezes, leitores, quase sempre petistas, me mandaram um post do blog de Mino Carta. Segue em vermelho. Leiam atentamente. Volto depois: Doações jornalísticasE por falar em doações, consulta ao site do TSE revela que a empresa Folha da Manhã […]
Poucas coisas são tão constrangedoras quanto a senilidade moral se fingindo de perplexa. Como acontece às vezes, leitores, quase sempre petistas, me mandaram um post do blog de Mino Carta. Segue em vermelho. Leiam atentamente. Volto depois:
Doações jornalísticasE por falar em doações, consulta ao site do TSE revela que a empresa Folha da Manhã doou R$ 42.354,30 para a campanha de Paulo Renato Costa Souza (PSDB), em 27/10/2006:”Informações prestadas pelo doador FOLHA DA MANHÃ S/A CPF/CNPJ 60579703000148 para o(s) candidato(s) abaixo:Valor total das receitas R$ 42.354,30Candidato Partido – UF Data Valor TipoPAULO RENATO COSTA SOUZA PSDB – SP 27/10/2006 42.354,30 Recursos de pessoas jurídicas”Paulo Renato também declarou R$ 80.406,30 de despesas com a Folha, a título de “publicidade por jornais e revistas”.Basta uma consulta ao site (https://www.tse.gov.br/sa dSPCE06F3/faces/careceitaByDoador.js ou https://www.tse.gov.br/sa dSPCE06F3/faces/cadespRecList.jsp).
Cabem as seguintes perguntas:Por que a Folha fez doação a um candidato?Por que a doação foi feita às vésperas do segundo turno, quando a campanha para deputado federal (caso de Paulo Renato) já havia sido decidida quatro semanas antes?Quais os critérios utilizados pelo jornal na escolha de Paulo Renato?Que garantias o jornal, tão cioso de sua independência e de sua linha pluralista, dá de que a doação não influencia o conteúdo editorial?
Voltei
Um jornalista tem direito de fazer perguntas. Mas sua primeira tarefa é buscar respostas, coisa de que Mino Carta já abriu mão faz tempo. As suas indagações são pura malandragem retórica. Está praticando um de seus esportes prediletos, que é acusar a Folha de S. Paulo de ser tucana. Tenho minhas diferenças com o jornal, como sabem. Critiquei aqui, por exemplo, a cobertura que ele fez do acidente do Metrô, em São Paulo. Para ser claro e franco como sempre, talvez sejam mais diferenças com jornalistas — ou alguns deles — do que com o veículo. Não ponho em dúvida a seriedade da empresa. Nunca tive razões pra isso. Trabalhei lá duas vezes. Fui editor-adjunto de política e coordenador de política da Sucursal de Brasília. Nunca me foi pedido nada que não estivesse rigorosamente dentro do mais estrito cumprimento das obrigações profissionais.
Vou contar pra vocês o que aconteceu. Darei as respostas que Mino tanto busca. Mas antes é preciso um certo exercício de pura lógica. Quem quer manter relações delicadas com políticos registra doação no TSE? O fato de ela ser posterior à eleição para a Câmara não deveria levar Mino Carta a supor que a história era, no mínimo, estranha? Agora sou eu que continuo indagando: Mino está interessado na verdade ou em fazer circular uma ilação?
Repondo: quem quer colaborar com um político sem ser descoberto não deixa rastro documental. Ocorre que o digníssimo não dá a menor pelota para os fatos. Está interessado em queimar reputações. Ou moveria o traseiro para pegar o telefone e tentar saber o que aconteceu.
Os fatos
Paulo Renato publicou anúncios — aqueles tijolinhos — no jornal. Foi feita uma cobrança indevida, a maior. A Folha devolveu a cobrança indevida. O comitê do candidato acabou registrando a devolução como contribuição de campanha. O jornal já pediu a retificação ao TSE, uma vez que não faz doações dessa natureza. Louve-se, aliás, o rigor, até excessivo, de quem recebeu o dinheiro de volta. No padrão nativo, poderia ter ido para o caixa dois. Foi isso o que aconteceu. E Mino sabe que foi. Escrevi certa feita neste blog o que vai em azul:
Na sua autobriografia, Si le Grain ne Meurt, André Gide — que, infelizmente, anda esquecido na França, aqui e no mundo — narra um encontro que teve com Oscar Wilde no Marrocos. Os dois tinham ido lá em busca da mesma coisa: jovens árabes. Gide, um protestante puritano, ainda era virgem. Wilde já tinha enfiado o pé na jaca, dentre outras coisas. Ele arruma alguns garotões com “olhos de gazela” para Gide. Depois a minha memória se embaralha, mas acho que foi ali que o francês conheceu “os frutos da terra”. Mesmo despido de moralismo ao narrar as lembranças, Gide registra o prazer que Wilde sentia com seu constrangimento. E emenda qualquer coisa assim: “A maior vitória de um pervertido é assistir à queda de um puro”. Se não é isso, é quase isso. Se a frase não for de Gide, então que seja minha, pronto.”
Mas que fique claro: Mino até pode sentir prazer em supor que o outro comunga de seus vícios. Mas a Folha não fez nada de errado. Não doou dinheiro para a campanha de Paulo Renato.