A farsa neo-racista do Brasil em três momentos
c Os Remelentos da UnB, do corpo docente, discente e da direção (corpo indecente?) não fazem por menos. Uma ocorrência que seria cômica, não revelasse o fundamentalismo em que está mergulhando a universidade, desmoraliza a política de cotas raciais, a mais obtusa que há no Brasil, feita com base na cor da pele, revelada por […]
UNIVITELINOS: MAS UM É NEGRO; OUTRO NÃO É
Do Portal G1
Filhos de pai negro e de mãe branca, os irmãos gêmeos univitelinos (idênticos) Alex e Alan Teixeira da Cunha, de 18 anos, não tiveram a mesma sorte ao se inscrever no sistema de cotas para o vestibular do meio do ano da Universidade de Brasília (UnB): Alan foi aceito pelos critérios da universidade e Alex não. Ao contrário da maioria das universidades que possuem cotas, a seleção de alunos para o sistema de cotas na UnB não leva em conta o critério socioeconômico e sim a cor do vestibulando. Para concorrer, os candidatos obrigatoriamente se dirigem até um posto de atendimento da universidade e tiram fotos no Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe/UnB), responsável pela aplicação da prova. Essas fotos são anexadas na ficha de inscrição e passam pela avaliação de uma banca, que vai decidir quem é e quem não é negro. Caso o vestibulando não seja aceito para concorrer no sistema de cotas do vestibular, ele automaticamente é transferido para a concorrência universal do processo seletivo. Esta é a terceira vez que os irmãos Alan e Alex se inscrevem para o vestibular da UnB, mas é a primeira vez que eles optaram pelo sistema de cotas. Alan, que é contrário ao uso das cotas raciais, quer estudar educação física. Alex, que afirmou não ter uma posição definida sobre o assunto, pretende cursar nutrição. “Resolvemos nos inscrever pelas cotas porque elas existem e têm que ser usadas. Além disso, a nota de corte para os candidatos cotistas é mais baixa que a nota de corte dos candidatos do sistema universal. Já que posso usar esse recurso, resolvi aproveitar”, disse Alex, que entrou com um recurso na UnB para que a universidade reavalie a sua condição de negro.
NEGUINHO DA BEIJA-FLOR: 67,1% EUROPEU
Por Reinaldo José Lopes, do Portal G1:
“O que poderia ter sido apenas uma curiosidade – desvendar as origens genéticas de nove celebridades de origem negra – ajudou a confirmar que o DNA dos brasileiros guarda uma mistura ainda mais complexa do que a aparência física do nosso povo sugere. Segundo o geneticista Sergio Danilo Pena, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Laboratório Gene responsável pelos testes, os afro-brasileiros famosos se encaixam perfeitamente no que se vê entre pessoas comuns que se definem como negras. “É incrível, mas os resultados que obtivemos nas nove pessoas estudadas são um microcosmo dos resultados de nosso estudo com indivíduos autoclassificados como pretos em São Paulo”, contou Pena ao G1. O pesquisador da UFMG fez os testes a pedido da rede BBC Brasil. O time de celebridades é integrado pelos cantores Milton Nascimento, Djavan, Seu Jorge e Sandra de Sá, pela ginasta Daiane dos Santos, pela atriz Ildi Silva, pelo puxador de samba Neguinho da Beija Flor, pelo jogador de futebol Obina e pelo religioso e ativista da causa negra Frei David Santos. (…) O primeiro, divulgado hoje, envolveu Daiane dos Santos e revelou que ela possui 39,7% de ancestralidade africana, 40,8% de ancestralidade européia e 19,6% de ancestralidade indígena.”
Segundo informou o Jornal Nacional, Neguinho da Beija-Flor é inequivocamente mais europeu (67,1%) do que africano (31,5%)
AUTORES DE LIVROS CONTRA COTAS SÃO AMEAÇADOS
Por Marcelo Bortoloti, na Veja da semana passada:
O poeta alemão Heinrich Heine cunhou, no século XIX, a seguinte frase a respeito da intolerância intelectual: “Os que queimam livros acabam queimando homens”. Heine alertava para a existência de um caminho natural da censura ao pensamento, que levaria à barbárie. No Brasil, há grupos tentando criar um atalho. O debate em torno da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial tem provocado manifestações destemperadas de integrantes do movimento negro. A simples notícia do lançamento de um livro sobre o tema, Divisões Perigosas: Políticas Raciais no Brasil Contemporâneo, publicado pela editora Civilização Brasileira, fez com que seus organizadores começassem a sofrer ameaças. A obra traz 34 artigos que, no conjunto, questionam a racialização em curso no país. Atacam principalmente a idéia de que o preconceito racial é que define as desigualdades sociais. Imediatamente surgiram, na internet, textos que falam em guerra, sugerem ações organizadas no dia do lançamento do livro e chamam de “escravos” dois dos autores, que são negros e militantes do movimento, mas têm opinião própria. “Eu estou com medo”, diz a antropóloga da UFRJ Yvonne Maggie, que está entre os organizadores.
A discussão sobre as cotas vem gerando uma crescente exasperação. Em uma reportagem sobre o tema no jornal O Estado de S. Paulo, na semana passada, o antropólogo Júlio César de Tavares, militante do movimento negro, pregou a violência física. “Chega um momento em que o diálogo se esgota”, disse. “Acho que o racista na rua tem de apanhar.” Frases assim são ainda mais assustadoras quando encontram respaldo no governo. Em março deste ano, a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, puxou o coro da intolerância em entrevista à BBC: “Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco”, disse. Com manifestações desse tipo e ameaças cifradas, quem perde são todos os brasileiros. Sem distinção de cor.
Voltei
Eis aí. Agora somem a isso o tal movimento “O Direito Achado na Rua”, que está virando uma espécie de religião na UnB. Conforme se vê no texto do rapaz da Juventude Lulista (nesta página), que decidiu me atacar, eles estão certos de que apenas promovem a Justiça em favor dos mais fracos. O resultado do teste de DNA desmoraliza o “racismo do bem” que se tenta implantar no Brasil a todo custo e que só serve para atender às expectativas de alguns espertalhões, profissionais da causa, em busca de cargo e notoriedade.
O episódio da UnB só não é mais grotesco do que um conflito havido há dias naquela universidade: uma briga entre estudantes transformou uma rixa entre estudantes num atentado racista. O reitor, Timothy Mulholland, que, não custa dizer, é politicamente correto a mais não poder, foi submetido a um verdadeiro ritual de humilhação. Mesmo diante do episódio das fotos, que demonstra a estupidez e a ineficiência dos critérios da UnB, o sr. Mulholland defendeu os critérios.
Ameaças
O episódio da ameaça é coisa das mais sérias. O livro tem como organizadores Peter Fry, Yvonne Maggie, Marcos Chor Maio, Simone Monteiro e Ricardo Ventura Santos. Mais: seus autores nem mesmo podem ser incluídos num só campo ideológico. Há entre eles pessoas com posições claramente de esquerda — o que desmente, obviamente, a fantasia de uma “direita racista”, outra acusação freqüente feita pelo “neo-racismo” brasileiro. Apresento, abaixo, o plano do livro, dando conta da diversidade de temas e da pluralidade de autores. E, para os novos racistas, é esse o maior pecado.
Prefácio – Bolívar Lamounier
Preâmbulo – Bila Sorj, José Carlos Miranda e Yvonne Maggie
Apresentação – Os organizadores
Parte 1: Raça, Ciência e História
1.Tortuosos caminhos – César Benjamim
2.Receita para uma humanidade desracializada – Sérgio Pena
3.Ciências, bruxas e raças – Sérgio Pena
4.História da África – Para quê? – Wilson Trajano Filho
5.Histórias mal contadas – José Roberto Pinto de Góes
6.Abolição da abolição – Demétrio Magnoli
7.O diálogo entre Nina Rodrigues e Juliano Moreira: do racismo ao anti-racismo – Ana Teresa A. Venancio
8.Roquette-Pinto e o anti-racismo no Brasil – Dominichi Miranda Sá e Nisia Trindade Lima (inverter)
9.Racismo à moda americana – Ronaldo Vainfas
10.Da atualidade de Gilberto Freyre – Manolo Garcia Florentino
11.O branco da consciência negra – José de Souza Martins
Parte 2: Quem é Negro no Brasil?
1. Das estatísticas de cor ao estatuto da raça – Simon Schwartzman
2. Genocídio racial estatístico – José Murilo de Carvalho
3. Pardos – Demétrio Magnoli
4.O Brasil não é bicolor – Carlos Lessa
5.Aprendizes de feiticeiro – George Zahur
6.Ministério da classificação racial – Demétrio Magnoli
7.Excesso de cor – Isabel Lustosa
Parte 3: Educação
1.Eles deveriam pedir desculpas, de joelhos – Sidney Goldenzon
2.Introduzindo o racismo – Peter Fry
3.Cotas e racismo – Ricardo Ventura Santos e Marcos Chor Maio
4.Cotas nas universidades públicas – José Goldemberg e Eunice Durham
5.As cotas raciais na universidade – Luis Nassif
6.O pomo da discórdia: sobre as cotas raciais e o debate na UERJ – Francisco Carlos Palomanes Martinho
7.Cotas e raciologia contemporânea – Ricardo Ventura Santos
8.Debate sobre cotas no Cebrap – Simon Schwartzman
9.O racismo vira lei – José Roberto Pinto de Góes
Parte 4: Saúde
1.Por uma história da saúde e da doença do escravo no Brasil – Ângela Pôrto
2.Que aumento é esse? – Peter Fry
3.Afrodescendentes – Demétrio Magnoli
4.Sobre cor/raça e Aids no Brasil – Claudia Travassos
5.Duas histórias representativas – Yvonne Maggie
6.O SUS é racista? – Marcos Chor Maio, Simone Monteiro e Paulo Henrique Almeida Rodrigues
7.AfroAtitude: a fabricação de uma identidade racial? Simone Monteiro
Parte 5: Raça em Tudo?
1.A racialização do Brasil – Mário Maestri
2.Quando nem todos os cidadãos são pardos – Ricardo Cavalcanti-Schiel
3.Memória, vitimização e o futuro do Brasil – Bernardo Sorj
4.Política social de alto risco – Peter Fry e Yvonne Maggie
5.Constituição do racismo – Demétrio Magnoli
6.Um Brasil de cotas raciais? – Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura Santos
7.O Estatuto da Igualdade Racial: uma questão de princípio – Mônica Grin
8.Somos todos irmãos – Ferreira Gullar
9.Movimento negro: combater ou capitular? – Roque Ferreira
10.Um estatuto para dividir e cotas para iludir – José Carlos Miranda
11.A reflexão que vale a pena ser feita: contra as cotas raciais – José Roberto F. Militão
12.Pode-se criar uma cisão racial – Uma entrevista com Peter Fry
Apêndices
1) Carta Pública ao Congresso Nacional: Todos têm direitos iguais na República Democrática (2006)
2) Racialização das políticas sociais: mais olhares críticos