A entrevista de Lula: análise
Abaixo, há um clipping do que achei de mais relevante ou diferenciado nos jornais e depois seguem muitos textos sobre a entrevista concedida ontem por Lula no Jornal Nacional. Leitores têm me perguntado duas coisas: 1) o desempenho foi mesmo ruim? 2) ele pode interferir na preferência do eleitorado? Embora próximas, são questões muito distintas. […]
O desempenho de Lula, segundo uma avaliação que fosse puramente técnica, foi catastrófico. Releiam a transcrição (abaixo) ou vejam o vídeo (há link): ele não conseguiu dar uma miserável resposta satisfatória ou minimamente articulada. Tentou algumas de suas saídas costumeiras, mas foi devida e prontamente contraditado pelos dois jornalistas: não com opiniões, mas com fatos. É essa a percepção do grande eleitorado? Bem, isso é realmente outra coisa. Volto depois a esse ponto.
Vou seguir mais um pouco na trilha em que estava. Eis a razão por que Lula não concede entrevistas coletivas, a menos que se cerque das devidas proteções — aquelas criadas por André Singer (não pode gravar, não pode contraditar, essas coisas). Proteção contra quem ou o quê? Contra Lula, ora essa. Sua incapacidade de pensar logicamente e de articular raciocínios complexos se evidencia de uma maneira chocante. Seu principal segredo sempre esteve em criar uma falsa intimidade com os interlocutores. Tentou o truque com William Bonner e Fátima Bernardes. Bateu numa parede de gelo. Eles já tinham sido chamados de “meu amor” e “minha querida” o bastante por Heloísa Helena.
A entrevista deve gerar subprodutos. Paulo Okamotto afirmou no Senado, sob juramento, que Lula nem sabia da dívida que ele supostamente pagou. Lula o desmentiu. Numa carta a José Dirceu, o presidente aceita seu pedido de demissão: ao Jornal Nacional, sustentou que foi ele a demiti-lo. Insistiu, de forma constrangedora, que ignorava o esquema. E que garantia existe de que não terá de dizer isso de novo?, quis saber Fátima. E Lula engrolou um palavrório sem sentido. Nada funcionou.
Mas e o grande público? Segundo o Ibope divulgado ontem, 73% dos que ganham até um salário mínimo, e 69% dos que têm até a quarta série aprovam o governo, contra, respectivamente, 22% e 25% que o desaprovam. A força do eleitorado lulista está entre os mais pobres e mais desinformados (para ver mais dados, clique aqui). Trata-se de pessoas que ouviram ontem William Bonner falar em procurador geral da República e não têm a mais remota noção de quem seja. Não saberiam distingui-lo de um torresmo à milanesa de Adoniram Barbosa. Lembro a música porque um trecho da letra é significativo:
Há aí o retrato de uma boa parte do eleitorado de Lula (e é claro que escrevo isso como um lamento, não com desdém)? Sim, mas é também o retrato do próprio Lula. Ontem, mais de uma vez, ele me lembrou um desses motoristas de táxi sempre muito propositivos, verdadeiros generalistas. Sabem quase nada sobre quase tudo. Deu-se no país o casamento maldito entre as baixas expectativas — e também baixas exigências — de um povo muito pobre e seu suposto representante, que diz atuar no limite das suas forças, mas sempre enfrentando inimigos terríveis.
Lula se danou? Se houvesse, vamos dizer, o júri técnico, não duvidem. Mas os juízes são outros. Sabem por que ele insiste naquela besteira de comparar o governo com a família? Porque pesquisas qualitativas apontam ser uma linguagem que “o povo” entende e aprova. Fátima deu-lhe um chega pra lá. Foi eficaz? Tendo a achar que não. Mais umas duas entrevistas neste pique, e ele começaria a ter problemas? Ai, sim, Porque se iniciaria um fenômeno de opinião pública. A avaliação negativa saltaria o muro das classes médias informadas e começaria a ganhar o povo na forma de um burburinho.
Lula sabe disso. Seus estrategistas sabem disso. Por isso eu duvido que ele compareça a debates do primeiro turno. Duvido que ele tenha a coragem de enfrentar Heloísa Helena, que descaracterizaria, provavelmente até com injustiças e bobagens teóricas, algumas conquistas do seu governo e tem à mão muito mais generosidades a oferecer — já que não terá mesmo de cumpri-las.
Leitor quer um “sim” ou “não”, um “bola” ou “bule” para a pergunta: a entrevista pode alterar as pesquisas? Então lá vai: se morrer nos jornais de amanhã, não. Seu efeito será irrelevante. Se as oposições e aqueles dispostos a ver Lula derrotado passarem adiante a mensagem, aí, sim. PSDB e PFL puderam ter uma idéia muito clara das fragilidades de Lula e das questões para as quais ele não tem resposta. A mais importante delas, mesmo numa excelente entrevista, a meu ver, não foi feita: as relações entre a Gamecorpo, de Lulinha, filho de Lulão, e a Telemar. Pelo que se viu ontem, é certo que o presidente não ganhou votos. Mas também ainda não perdeu. Os descalabros da entrevista têm de saltar esse fosso, vá lá, entre ricos e pobres — os termos são impróprios mas servem para pensar.
Em setembro, já anunciou Wlliam Bonner, há uma nova rodada de entrevistas, aí com temas da administração, incluindo a área social. Lula tentará nadar de braçada. Com dados corretos na mão, dá para fazer picadinho do seu discurso — tarefa para os coleguinhas: estudar os números do Caged e entender aquilo. Vamos ver. Cumpre agora a PSDB e PFL a tentativa de transformar em fato político-eleitoral a entrevista desastrosa. Por geração espontânea, nada acontece. E a observação final: quem entende um pouco de reações, olhares e esgares de desagrado pôde contatar: Lula detesta ser contraditado. Provou-se mais uma vez que ele só não estudou porque está absolutamente convencido de que sabe tudo.
PS: Leitores observam que Lula não errou quando falou da extensão das fronteiras. Teria querido dizer 17 milhões de metros e não 17 milhões de quilômetros. Revi o vídeo e a transcrição que a Globo fez. Continuo a achar que ele não sabia mesmo se era uma coisa ou outra e optou pelo absurdo. Vejam lá. Mas isso é o de menos. Houvesse o efetivo combate ao narcotráfico nas fronteiras, já estaria de bom tamanho.