A discriminação contra os brancos, Gilberto Freyre e essa tal “mamma” África
“Mais bem alimentados, repetimos, eram, na sociedade escravocrata os extremos: os brancos das casas-grandes e os negros das senzalas. Natural que dos escravos descendam elementos dos mais fortes e sadios de nossa população. Os atletas, os capoeiristas, os cabras, os marujos. E que, da população média, livre, mas miserável, provenham muitos dos piores elementos; dos […]
Acima, vai um trecho de Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Na edição que tenho, da José Olympio, está na página 34. Trata-se do livro mais importante da sociologia brasileira, solenemente ignorado por brancos, negros, marxistas e ignorantes — às vezes, aos menos três dessas coisas estão juntas. Como se vê, sob o aspecto da alimentação, por exemplo, o branco livre e pobre já pode se organizar para cobrar uma reparação do estado brasileiro, já que agora demos pra fazer Justiça retroativa.
Embora Freyre seja o pensador da formação do Brasil mais afinado com a história e com a documentação, foi banido da universidade, com raras exceções. Os negros o ignoram. Fiz um programa Roda Viva um vez com um professor que escrevera um livro apontando um terrível racismo no Brasil. Não tinha lido Gilberto Freyre. Não é queconhecesse a obra e tivesse decidido que ela era ruim: ele simplesmente a ignorava.
Li Casa Grande & Senzala quando tinha 20 anos. Foi um dos livros que ajudaram a me curar da esquerdopatia, de que fui acometido aos 14. Por razões que não vêm ao caso, fiquei sabendo o que era ditadura e que o Brasil era uma. E aquilo me pareceu, e era, uma porcaria. E a esquerda combatia aquele negócio. E aí eu caí na conversa. É uma síntese breve de uma trajetória um tanto longa. O melhor remédio contra a esquerda ainda é a alfabetização. Vejam este outro trecho, nas páginas 52 e 53:
“Uma circunstância significativa resta-nos destacar na formação brasileira: a de não se ter processado no puro sentido da europeização. Em vez de dura e seca, rangendo no esforço de adaptar-se a condições inteiramente estranhas, a cultura européia se pôs em contato com a língua indígena, amaciada pelo óleo da mediação africana. O próprio sistema jesuítico — talvez a mais eficiente força de europeização técnica e de cultura moral e intelectual a agir sobre as populações indígenas; o próprio sistema indígena, no que logrou maior êxito no Brasil dos primeiros séculos foi na parte mística, devocional e festiva do culto católico. Na cristianização dos caboclos pela música, pelo canto, pela liturgia, pelas profissões, festas, danças religiosas, mistérios, comédias; pela distribuição de verônicas com agnus-dei, que os caboclos penduravam no pescoço, de cordões, de fitas e rosários; pela adoração de relíquias do Santo Lenho e de cabeças das Onze Mil Virgens. Elementos, muitos desses, embora a serviço da obra de europeização e de cristizanização, impregnados de influência animística ou fetichista vinda talvez da África”.
Na seqüência, Gilberto Freyre demonstra que o próprio Santo Inácio de Loyola, o criador da Companhia de Jesus, pode ter-se inspirado na mística muçulmana para criar os Exercícios Espirituais. O Brasil foi feito pela miscigenação, e a tentativa de separar o país em “raças” contraria a história da nossa formação. Trata-se, em suma, de uma manifestação de racismo. Além de ser, também, expressão ou de ignorância ou de oportunismo. Ou das duas coisas.
Aquela palavra de ordem dos esquerdopatas da UnB — “Brasil, África, América Central/ a luta do negro é internacional” — é uma bobagem que só faz sentido no Brasil. A luta no negro é “internacional” em Angola ou Moçambique, onde negros são ditadores de negros? É internacional no Sudão, onde negros islâmicos massacram negros cristãos? É “internacional” para tutsis e hutus, que se matam, se esfolam e se mutilam aos milhares, chegando a milhão? Calma lá: hoje em dia, os maiores algozes dos negros têm pele negra. Um amigo foi fazer uma reportagem em Angola. Quase morre na mão dos comunistas que estão no poder. O país consegue ser uma dos mais ricos e mais corruptos do continente. Corrupção centralizada pelos comunas. O Brasil se formou de outro jeito. A escravidão ainda não tinha sido oficialmente extinta, e nosso maior escritor já era um mulato. Ou entendemos os nossos paradoxos, ou vamos começar a brincar de nos meter fogo uns aos outros em nome da “verdade” — a verdade de uma causa importada pela militância.
Os nossos “mestiços” são “mestiços”, não são negros coisa nenhuma. E eles são 41% da população. Negros são 6%. E 52% são brancos. Essa é a realidade do Brasil. E os pais dos mestiços os quiseram mestiços. Não fosse para se misturar, teriam escolhido alguém com a cor de sua pele para fazer filhos. Porque em nossa história há aqueles elementos de que fala Gilberto Freyre acima. A militância pela “discriminação positiva” passou a ser um meio de vida, uma profissão, que só prospera porque não se cumpre o estado de direito à risca. Ou todos são iguais perante a lei, ou se está fraudando o regime democrático. A aplicação de cotas raciais só existe porque o mundo jurídico brasileiro se acovardou, com medo da militância estridente.
Para encerrar, observo que sempre que vejo um negro cantando rap ou funk de protesto, sob o pretexto de ser um ato de resistência, que viria lá da mamma África, escarneço entre a ironia e a melancolia. O que essas manifestações têm a ver com o continente africano ou mesmo com a cultura que os negros produziram no Brasil? É só o lixo da indústria subcultural americana, a pior parte do seu tão detestado (por eles, não por mim) capitalismo. De africano, nem o tênis e o jeans cinco números maior, com os fundilhos nos joelhos e a cueca de fora — a própria visão do inferno.
PARA LER
A propósito, no Estadão deste domingo, o historiador Manolo Florentino concede uma entrevista a Felipe Werneck. Reproduzo a seguir um trecho da abertura. Uau! Ainda há quem pense na academia brasileira. É raro. Mas há. Seguem trecho e link:
O discurso da ministra Matilde Ribeiro – que disse considerar natural o racismo de negros contra brancos no Brasil – é “racista” e “coerente” com o trabalho desenvolvido por ela à frente da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, diz o doutor em História e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Manolo Florentino. “Se buscarmos os documentos que eles produzem e trocarmos a palavra negro por branco, a impressão é a de que é Goebbels falando. É um troço assim impressionante. A fala tem absoluta coerência, não tem nenhuma novidade”, afirmou Florentino, referindo-se ao ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. E qual será o resultado da declaração? “Nenhum. Em um governo pautado fundamentalmente por movimentos sociais, alguém vai ter a coragem de demitir essa senhora?” Para ele, a secretaria promove o contrário do que anuncia, ao estimular a criação de um conjunto de etnias no País. Florentino reconhece que há racismo no Brasil, mas afirma que o conflito é social. Qual é a saída? “Pura e simplesmente tornar esse país um pouco menos pobre.” Ele conversou com o Estado na quinta-feira, em uma sala do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ.
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