“Não vai pedir desculpas a padre Júlio?” É claro que não! Defendo a sua excomunhão
Os fiéis de Júlio Lancelotti, que não chegam a ser exatamente da Igreja Católica a que pertenço, resolveram invadir o blog para perguntar se não vou pedir desculpas ao dito-cujo. Eu? Por quê? Sei bem o que escrevi. Está tudo em arquivo. Só mudo um post se for para corrigir alguma informação objetiva: nome, grafia, […]
Por que a cobrança? No dia 21, o Ministério Público concluiu que o padre foi mesmo vítima de extorsão da quadrilha liderada por Anderson Batista, de que fazem parte também Conceição Eletério, sua mulher, e os irmãos Evandro e Everson Guimarães. Alguns falam em uma nova “Escola Base” — aquele caso do falso molestamento infantil, lembram-se?, sobejamente noticiado pela imprensa e que, depois, veio a se revelar uma grande soma de equívocos.
Eu nunca duvidei de que o padre estivesse sendo chantageado. Jamais tratei o tal Anderson — aquele cujo coração Lancelotti queria tocar — como anjo, e o padre, como bandido. Nunca vi essa oposição entre os dois. O que sempre me espantou nessa história foi a postura colaborativa do religioso. Além do dinheiro vivo — sempre dinheiro vivo —, há o impressionante caso da Pajero. Inicialmente, Lancelotti falou que lhe tiraram R$ 30 mil; depois, R$ 80 mil. Em uma das reportagens a respeito do assunto, seu advogado chegou a falar em R$ 150 mil. Eu ganho mais do que um padre. Muito mais. E sei a diferença entre R$ 30 mil, R$ 80 mil e R$ 150 mil — nesse último caso, sei a diferença conceitual: como um representante da direita reacionária, ocidental e judaico-cristã, é dinheiro demais pra mim. Dinheiro, hoje em dia, é coisa da esquerda…
Noticiei, como todo mundo, a acusação de Anderson. Segundo o rapaz, ele mantinha uma relação amorosa com o padre desde quando era interno da Febem. Tratei a coisa com largueza de espírito. Cheguei a escrever que um hipotético intercurso carnal-espiritual entre um rapagão de 17 e um senhor de 60 e poucos não caracterizaria exatamente um molestamento infantil. Como diria Caetano Veloso, aos 17, as pessoas já sabem muito bem onde pôr o seu desejo ou como ganhar o seu dinheiro e se devem ou não usar a carne para ganhar o pão. Se há alguém, na imprensa, que não deu trela à acusação de “pedofilia”, esse alguém fui eu. Se a memória não me trai, “paido”, em grego, quer dizer “criança”. Vendo o tal Anderson, nunca pensei num anjinho barroco…
Não vou pedir desculpas, não. Porque não devo. O que sempre quis saber — e, para mim, permanece um mistério — é por que Lancelotti cedeu calado à extorsão durante tanto tempo. Que ela tenha havido, não duvido. Acho que o Ministério Público cumpre sua tarefa ao apontá-lo. Espero que tenha apurado direito a coisa. O que me incomodou, como ser lógico e fiel católico, é essa proximidade entre um líder religioso e o mundo do crime. Não creio que ela eduque. Não creio que ela fortaleça a Igreja. Não creio mesmo que ela esteja de acordo com os fundamentos da religião.
Também me lembro da indignação aqui manifestada quando Lancelotti comparou a própria trajetória à de Jesus Cristo. Falando a jornalistas no dia 18 de outubro e tentando explicar o que ainda não foi explicado — por que se deixou extorquir por tanto tempo —, saiu-se com esta: “Se Jesus tivesse tomado muito cuidado, não teria morrido na cruz, né? Teria morrido idoso numa cama”.
Trata-se de uma heresia, e posso prová-lo com facilidade — eu ou, mais apropriadamente, qualquer teólogo cristão. Por herético, não só não devo desculpas a Lancelotti como aguardo a sua excomunhão. Explico-me. Cristo não morreu na cruz porque fosse “descuidado”. O sacrifício do filho de Deus, para um cristão, já estava na mente divinal, daí a imagem do cordeiro que tira os pecados do mundo. Isso é parte do mistério fundador do cristianismo. Ninguém é obrigado a acreditar; pode-se até mesmo achar que isso é uma grande tolice. Mas, então, não se pode ser padre da Igreja Católica.
Pior do que as justificativas de Lancelotti para a sua longa relação com o tal Anderson é sua teologia esfarrapada. Olhem que nem o arianismo (pesquisem: nada tem a ver com nazismo; refere-se a um homem: Ário), que negava a divindade de Jesus e, pois, a unidade da Trindade, teve a coragem de afirmar que Cristo morreu na cruz porque era um tonto.
Podem retirar a tropa. Não tenho o menor respeito intelectual e religioso pela Teologia Achada na Rua do tal padre Júlio. Ele é que continua a dever desculpas aos cristãos por sua frase infeliz.