
Cresci vendo telenovelas. Antes da literatura ou do cinema, essa foi a primeira narrativa a entrar na minha casa, no meu imaginário — acredito que isso aconteça com quase todo jovem de classe média ou classe baixa. Ao longo dos anos, a novela se tornou a maneira brasileira de contar, de imaginar, de viver — drama, humor, vilania e romance, tudo no mesmo prato, em doses equilibradas. Quem nunca brigou com um parente e foi acusado de fazer “drama de novela”? Quem nunca ouviu uma história que parecia “coisa de novela”?
Como estrutura dramática, ela sempre me fascinou. Um enredo de tamanho descomunal — de até 200 capítulos —, com dezenas de personagens e linhas paralelas. Cabe ao novelista escrever a trama de modo que o espectador queira vê-la um dia após o outro. É preciso avançar sempre, com ganchos e dramas de impacto. Ao mesmo tempo, é importante que o espectador que perdeu alguns capítulos também entenda tudo o que está acontecendo. Um complexo quebra-cabeças!
Depois, claro, vem o trabalho de um time de profissionais para colocar esse tipo de história de pé — o diretor, que transforma as palavras em imagens e rege os atores, com seus estilos e contribuições pessoais aos personagens, além de figurinistas, maquiadores, diretores de arte, de produção etc.
“A novela é a maior arte do Brasil e nossa narrativa mais exportada”
Como contador de histórias, sempre quis alcançar o público, dialogar com ele, levá-lo a refletir. Nenhuma narrativa faz isso com mais potência do que a telenovela, com sua força de guiar o brasileiro a mudar hábitos e ultrapassar preconceitos — por exemplo, os folhetins de Gloria Perez, com temas como clonagem, tráfico de pessoas, transexualidade, e mais recentemente Órfãos da Terra, de Duca Rachid e Thelma Guedes, sobre refugiados, e Bom Sucesso, de Rosane Svartman e Paulo Halm, que incentivou à leitura e apresentou clássicos em plena TV aberta.
Li que a Globoplay vai disponibilizar dezenas de novelas para streaming. Vendo a lista, me bateu vontade de rever algumas e conhecer outras que não vi por falta de tempo ou por não serem da minha época. A Favorita, de João Emanuel Carneiro, foi ao ar quando eu tinha 18 anos e ainda lembro do impacto daquela história com ressonâncias de romance russo, com dilemas morais e personagens multifacetados, embalados pelo tango da música de abertura. Muitas novelas marcaram minha adolescência, como O Rei do Gado, de Benedito Ruy Barbosa, O Beijo do Vampiro, de Antonio Calmon, Senhora do Destino, de Aguinaldo Silva, Laços de Família, de Manoel Carlos, e Chocolate com Pimenta, de Walcyr Carrasco. Outras forjaram quem eu sou, e a paixão por tramas de mistério, como as de Silvio de Abreu (A Próxima Vítima e Belíssima — com Bia Falcão reaparecendo viva e tirando poeira dos ombrinhos) e Gilberto Braga (Vale Tudo e Celebridade).
A novela é a maior arte do Brasil, mais forte que a literatura, o cinema, talvez a música. Sem dúvida, é nossa narrativa mais exportada para o mundo. Pena que seja considerada “menor” por alguns escritores ou roteiristas. Na verdade, não importa tanto. O público continua aí, torcendo, sofrendo e se apaixonando. E você? Quais novelas marcaram a sua vida?
Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689
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