Lula lucra — e muito — com as duas faces de Tarcísio de Freitas
Governador dá sinais de que tem até discurso pronto de candidato ao Planalto, mas se deixa filmar acuado pelo clã Bolsonaro, apequenando o posto que ocupa

Com todas as suas trapalhadas de comunicação, o governador Tarcísio de Freitas conduz ainda hoje a maior vitrine eleitoral da direita no país.
É prova de que o movimento surgido com Jair Bolsonaro pode entregar ao eleitorado algo diferente do golpismo e das crises fabricadas diariamente pelo ex-mandatário no cercadinho do Palácio da Alvorada.
Freitas é o aliado mais poderoso de Bolsonaro. Governador de São Paulo, tem estatura para rivalizar com o presidente Lula, apontando as falhas da gestão petista em Brasília e oferecendo ao eleitor algo sobre o que pensar na caminhada até a urna em 2026.
Atacado e apequenado pelo clã Bolsonaro, no entanto, Freitas apresentou-se ao país, nesta segunda, como um personagem encolhido e intimidado diante dos filhos do ex-presidente.
Quando questionado se seria candidato ao Planalto, quase não emitiu som ao falar que disputaria a reeleição ao Palácio dos Bandeirantes. A imagem em nada combina com o cargo de Freitas. Mas é assim que é o bolsonarismo.
O governador de São Paulo, por mais poder que tenha, decidiu não bater de frente com a lógica da linha sucessória de sangue imposta a ele pelo clã Bolsonaro. Por ora, se contenta em soar acuado candidato à reeleição.
Na política, no entanto, tudo sempre pode mudar. Bolsonaro, preso e condenado a 27 anos de cadeia, já sentiu que o bolsonarismo começa a se descolar de seus interesses familiares. Em Santa Catarina, reduto fiel ao capitão, o filho dele enfrenta forte rejeição ao tenta cair de paraquedas para buscar uma vaga ao Senado.
Em público, os políticos bolsonaristas seguem fieis a Bolsonaro. Em privado, não escondem que a família tornou-se um fardo pesado demais para a direita carregar nas próximas eleições. Eduardo Bolsonaro resgatou Lula de uma ausência de discurso e de rumos no Planalto que parecia incontornável.
A luta por anistia e por blindagem, agendas que só interessam a Bolsonaro, fez a esquerda voltar a ocupar as ruas, acordando do transe a militância hoje sustentada por cargos e verbas públicas.
Para vencer em 2026, a direita terá de oferecer ao país uma visão de futuro e não uma volta ao passado representada pela clã Bolsonaro.
Se não tiver novidade a oferecer, a direita dará a Lula a campanha dos sonhos. O petista buscará votos lembrando o eleitor o caos que foi a gestão Bolsonaro, o tempo perdido com tramas golpistas e as mortes da pandemia, por exemplo. Nem precisará explicar os vários insucessos da atual gestão petista. O eleitor se moverá por uma pergunta: voltar ao caos ou ficar com o menos pior?
Fosse Freitas hoje um candidato apoiado por Bolsonaro contra Lula, o governador poderia falar como desafiante mostrando resultados de sua gestão em contraste com a do petista. Numa entrevista recente ao empresário Chaim Zaher, Freitas ensaiou esse papel.
Ao detalhar como o governo paulista investe mais em saúde do que o SUS de Lula, possibilitando a realização de 1,2 milhão de cirurgias por ano em São Paulo, o governador foi questionado pelo apresentador se daria para repetir o modelo do estado no Brasil, caso Freitas fosse ao Planalto: “Se o senhor fosse presidente, faria isso no Brasil?”.
O governador não se fez de rogado:
“É possível fazer, claro. Eu faria”, disse Freitas, enfileirando, na sequência, bordões de um candidato ao Planalto.
“Só cuida das pessoas quem arruma as contas”, disse.
“Fizemos reforma administrativa, privatizações, concessões… Criamos musculatura no caixa para ter como investir”, seguiu Freitas.
“É só cortar desperdício e enxugar a máquina que dá para fazer”, concluiu.
A entrevista de Freitas a Chaim e a fala na porta do condomínio de Bolsonaro revelam a existência de um político com dupla personalidade. O governador acuado e o governador candidato ao Planalto. Resta saber quem é Freitas de verdade.