A difícil escolha de Bolsonaro na novela do etanol dos EUA
Isenção de tarifa acaba no dia 31. 'Bolsonaro terá de escolher se fica do lado dos americanos ou dos brasileiros', diz dirigente
O presidente Jair Bolsonaro declarou todo seu amor por Donald Trump inúmeras vezes, inclusive com um sonoro, e não correspondido, “I love you”. O teste de fidelidade desta tórrida paixão já tem data para ocorrer. No dia 31 de agosto, vence a isenção da tarifa de 20% do etanol importado dos Estados Unidos fora da cota de 750 milhões de litros por ano e caberá ao governo brasileiro bater de frente com quem já sinalizou retaliação se a cobrança voltar.
Na semana passada, Trump afirmou que “no que se refere ao Brasil, se eles impõem tarifas, nós temos de ter uma equalização de tarifas”, dando a entender que pode elevar ainda mais a cobrança dos produtos nacionais. Os EUA pedem que o Brasil abra o mercado de etanol. Já os produtores brasileiros são contra, pois há o suficiente por aqui, além de que sua eficiência é superior ao do produto norte-americano.
Na avaliação da Unica – União da Indústria de Cana-de-Açúcar, há dois cenários possíveis para resolver o imbróglio. No primeiro, o Brasil poderia voltar a cobrar os 20% do etanol americano enquanto os dois países fecham um acordo. Já no segundo, o Brasil poderia abrir seu mercado de etanol do mesmo modo que os EUA fariam com o mercado de açúcar – hoje a exportação da commodity brasileira para aquele país não chega a 1% e a taxa é de 140%.
Mas há uma reeleição presidencial em jogo. “Se fosse uma questão de livre mercado, seria simples de resolver. Mas ela passa pelas eleições norte-americanas”, explica Evandro Gussi, presidente da Única.
Donald Trump tem forte apoio dos fazendeiros locais, inclusive dos produtores de milho, base do etanol. Eles estão ávidos para exportar o produto ao Brasil, já que o isolamento da pandemia diminuiu o consumo de combustível e o percentual de participação do etanol na composição da gasolina não se elevou.
Com a retomada da tarifa, o etanol ficaria caro e desinteressante para o Brasil. É tudo o que os produtores americanos não querem. Assim, para garantir o voto dos eleitores republicanos ligados ao agronegócio, Donald Trump joga com a questão, tanto querendo a isenção tarifária como prometendo retaliar caso ela se efetive.
Por isso, a bola está com Jair Bolsonaro – e seus fieis escudeiros no alinhamento automático aos EUA, o ministro Ernesto Araújo e o filho Eduardo Bolsonaro. Se ele topar a isenção, ganha um afago de Trump, mas junto com ele virá a fúria de um setor que movimenta dezenas de bilhões de reais por ano no país e que já vê perdas significativas com a escolha – ainda mais por conta dos bons resultados da safra 2020. “A medida pode colapsar o setor no Nordeste”, adverte Gussi.
Por outro lado, se Jair Bolsonaro renovar a tarifa, faz as pazes com o setor sucroalcooleiro nacional, mas Trump pode se vingar, encarecendo ainda mais os produtos brasileiros e dificultando as exportações.
“Bolsonaro poderá escolher se fica do lado dos americanos ou do lado dos brasileiros. Acredito que ele estará conosco. Tenho a convicção de que o governo brasileiro é sensível à questão e se colocará de nosso lado. Por mais que o presidente Jair Bolsonaro tenha simpatia pelos Estados Unidos e Donald Trump, ele não fará isso conosco”, avalia Evandro Gussi, da Unica.