A origem da condenação de Lula pelo Sítio de Atibaia
Investigação jornalística de VEJA levou petista a sua mais dura condenação na Lava-Jato
“Avião aki na chácara hoje pela manhã”. Na noite de 21 de abril de 2015, o caseiro do Sítio de Atibaia, Elcio Vieira, conhecido como Maradona, disparou para apoio@institutolula.org, do Instituto Lula, o e-mail com o título acima.
No corpo da mensagem, 12 fotografias de um aviãozinho rasgando o céu azul sobre o sítio até então distante do imaginário nacional.
Maradona não detalha no e-mail, mas o avião, um monomotor de seis lugares, havia sobrevoado o recanto de Lula por cerca de 40 minutos na manhã daquele feriado de Tiradentes.
A bordo, o piloto, o repórter fotográfico de VEJA Jefferson Copola e este colunista faziam o primeiro contato visual e os primeiros registros fotográficos da vista aérea da propriedade, que ficaria famosa em todo o país ao estampar reportagem de capa de VEJA na semana seguinte.
A investigação jornalística que levaria a revista a descobrir o Sítio de Atibaia começara uma semana antes, com uma dica valiosa de uma fonte ligada à empreiteira OAS. Léo Pinheiro, o ex-presidente da companhia, preso no Complexo Médico de Pinhais, havia decidido rascunhar histórias para um possível acordo de delação premiada.
Surgiriam aí as reformas no “sítio do Lula no interior de São Paulo”. Com a informação exclusiva, VEJA localizou na internet um release do Instituto Lula que noticiava a viagem do petista para repouso do tratamento de câncer no Sítio de Atibaia. Com os fatos reunidos, Policarpo Junior, o redator-chefe da sucursal de VEJA em Brasília que coordenou toda a produção da reportagem, autorizou a viagem a São Paulo.
Era a manhã de 20 de abril de 2015 quando VEJA chegou à porteira da propriedade pela primeira vez. O segurança do lugar – um policial civil fazendo bico de segurança no feriadão – tentou despistar quando questionado sobre o frequentador ilustre do sítio.
Naquele fim de semana em Atibaia, porém, VEJA entrevistaria vizinhos que trabalharam nas obras do sítio, fornecedores do material de construção e convidados de Lula para tardes de café na propriedade. As duas escrituras da propriedade, lavradas em nome dos sócios de Lulinha, Jonas Suassuna e Fernando Bittar, além dos registros da loja que apontavam um arquiteto de José Carlos Bumlai — o amigo de Lula que também viria ser preso e condenado na Lava-Jato –, como comprador de artigos de alvenaria.
Com toda a documentação disponível e os relatos colhidos sobre a obra no misterioso Sítio Santa Bárbara – a placa com o nome da propriedade seria removida da porteira depois da matéria de VEJA –, faltava a foto do sítio.
VEJA decolou do aeroclube de Atibaia, com pista de terra batida, em busca de uma antena de celular no alto do Bairro Portão, onde ficava o sítio. Por ironia do destino, a antena instalada pela Oi a pedido de Lula – a região não tinha sinal de celular – ao lado do sítio serviria de referência para a chegada pelo ar.
Maradona, o caseiro, não imaginava o que estaria produzindo naquela noite de feriado ao mandar o e-mail relatando a Lula a passagem do avião pelo sítio.
Ao documentar o sobrevoo de VEJA, ele acabou ajudando a Lava-Jato a fechar o quebra-cabeças da denúncia que levaria Lula a ser condenado em primeira instância e ter a pena aumentada pelo TRF-4 nesta semana, totalizando 17 anos, um mês e 10 dias de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A mensagem de Maradona com as fotos do avião, obtidas com a quebra de sigilo telemático do caseiro, foram anexadas na denúncia da Lava-Jato por revelarem “ser o sítio de propriedade e posse de Lula”.
Na reportagem de capa daquele abril de 2015, VEJA informou pela primeira vez que existia um sítio em Atibia cuja reforma havia sido bancada pela OAS. Só quase um ano depois, com a Lava-Jato já investigando as revelações da revista, foi que se soube da participação de outra empreiteira, a Odebrecht, na obra.
Investigação jornalística, com recursos e tempo investidos, na velha e boa reportagem.