A corrupção destrói a confiança dos cidadãos
A propagação do crime organizado de natureza mafiosa se beneficia da prevalência da impunidade
Corrupção é o polo oposto da confiança. Além de ilegal, é a expressão do egoísmo, tendo por objetivo obter vantagem pessoal em detrimento do bem comum; especificamente, é o abuso do poder público − no Executivo, Legislativo e Judiciário −, em benefício privado. Envolve expropriar aquilo que por direito pertence ao outro.
Um país que convive com a corrupção como se ela fizesse parte da “regra do jogo” corrói a confiança entre os cidadãos. A confiança, entendida como a atitude cooperativa fora do círculo familiar, é um dos valores culturais mais importantes para explicar o desenvolvimento econômico. É a base do comportamento solidário, levando as pessoas a doarem tempo e dinheiro visando à construção de um país melhor. É parte fundamental do “capital social”, que tem forte correlação com a estrutura e o desempenho das instituições, bem como com o grau de criminalidade e de populismo existente.
O aumento veloz da corrupção nos últimos anos é visível e inegável, mesmo a olhos antes renitentes. Em parte, trata-se de um fenômeno mundial, provocado pelo rápido, e muitas vezes indiscriminado, crescimento dos gastos públicos para enfrentar a pandemia, junto com a disseminação das moedas digitais.
No Brasil, a esses fatores se somaram deteriorações institucionais crescentes que banalizaram a gravidade dos crimes de corrupção, ampliando-os. Com pífia nota de integridade, 34/100, o Índice de Percepção da Corrupção levantado pela Transparência Internacional, registrou a queda do Brasil para a 107ª posição, entre 180 países, em 2024.
Investigações relatadas pela imprensa apontam desvios crescentes de recursos públicos nos últimos anos. Entre os mais recentes estão os bilionários descontos ilegais em benefícios de aposentados e pensionistas do INSS, caso ora sob investigação em CPMI no Congresso; e as inúmeras irregularidades na destinação e execução de emendas parlamentares, que neste ano devem atingir R$ 50 bilhões.
O aumento e a normalização do nepotismo; da troca escancarada de favores entre os Poderes; dos conflitos de interesses; do tráfico de influências; e a redenção em praça pública de réus confessos no processo da Lava Jato consolidaram, entre os cidadãos e os criminosos, a sensação − ou a certeza? − da impunidade.
A conclusão irrefutável é que as leis existentes foram feitas para não serem cumpridas, podendo ser interpretadas de acordo com o poder de cada indivíduo, garantindo a impunidade aos crimes dos poderosos, convenientemente embalada no uso e abuso de formalismos estéreis, prescrições e recursos infindáveis. O assunto não é novo: Tacitus, senador e historiador romano (56-120 dC) já dizia que nas repúblicas muito corruptas, é grande a quantidade de leis, ao que Niccolò Machiavelli, um século e meio depois, acrescentaria a regra, esta sim seguida fielmente por aqui, de que “aos amigos os favores, aos inimigos a lei.”
A propagação, no país, do crime organizado de natureza mafiosa, escancarada tanto pela Operação Carbono Oculto, contra o PCC, quanto pela Operação Contenção, contra o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, se beneficia, entre outras coisas, da prevalência da impunidade aos crimes de corrupção. Embora esse tipo de crime violento seja mais grave e de natureza diversa, depende da corrupção em várias etapas de suas ações, especialmente aquelas ligadas a concessões e licitações públicas, compra de favores no Judiciário e Legislativo, e corrupção do sistema eleitoral.
Além disso, tanto os crimes de corrupção quanto os das organizações criminosas são estritamente racionais, baseando-se em frias análises de custo (possibilidade de ser punido) e benefício (lucro auferido). Sem eficiência do Judiciário na apuração e punição desses crimes, não há freio nem esperança de redução de sua atuação.
Muitos se perguntam se a propensão à corrupção seria nosso destino enquanto país. Apesar de existirem algumas feridas não cicatrizadas em nossa cultura, acreditar em fatalismo cultural, não ajuda a resolver – ou, pelo menos, a tentar resolver – esse que é um de nossos problemas mais graves. Trazem esperança os resultados de pesquisas indicando que a “pequena corrupção”, aquela praticada pela maioria dos cidadãos comuns ao usar os serviços públicos, é baixa no país.
Essa população é a “vítima difusa” da corrupção. É quem utiliza serviços públicos de qualidade inferior à que poderia ter não fossem os desvios de verbas provocados pela corrupção. É a população que perdeu a esperança nos líderes políticos, nas leis e na Justiça; que é assaltada ao sair de casa ou voltar do trabalho, ou que está sob a mira do crime organizado. Como confiar em alguém?
É preciso mudar as regras desse jogo injusto. As instituições, que nos levaram à corrupção sistêmica e à perda de dinamismo econômico, refletem a atual correlação de forças políticas, que precisa ser alterada se quisermos mudar o jogo. Os vencedores do Prêmio Nobel de Economia de 2024 e 2025 apontam o caminho. Em suas vastas produções teóricas, e especialmente nos livros The Narrow Corridor (Acemoglu e Robinson) e The Power of Creative Destruction (Aghion, Antonin e Bunel) insistem que cabe à sociedade civil amordaçar o Leviatã, o Estado, provocando um novo equilíbrio político. Só assim será possível redesenhar as instituições para que protejam o bem comum, e não os interesses de grupos ligados ao poder.
Maria Cristina Pinotti é economista e sócia da Pinotti & Schwartsman Associados, organizadora e coautora do livro ‘Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas’.
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