O calor da desigualdade: quando o ar-condicionado vira privilégio
48% dos brasileiros utilizaram mais o ar-condicionado no último ano, 56% dos mais pobres gostariam de fazer o mesmo, mas não têm condições

O Brasil está mais quente – e não apenas no sentido figurado. O aumento das temperaturas nos últimos anos não é apenas uma estatística climática; é uma realidade cotidiana que afeta milhões de brasileiros. As ondas de calor deixaram de ser fenômenos raros e passaram a ser parte da rotina. Mas, como tantas outras desigualdades que marcam nossa sociedade, a forma como enfrentamos esse calor escancara um abismo social.
Nosso mais recente estudo no Instituto Locomotiva revelou uma verdade incômoda: enquanto 48% dos brasileiros aumentaram o uso do ar-condicionado no último ano, 56% dos mais pobres gostariam de fazer o mesmo, mas simplesmente não têm condições. Ou seja, enquanto uma parcela da população consegue se adaptar ao novo normal das temperaturas elevadas, outra parcela sofre calada, sem alternativas viáveis para minimizar os impactos do calor extremo.
Essa desigualdade se manifesta em diferentes aspectos da vida cotidiana. Imagine duas crianças estudando em casa. A primeira, de uma família mais rica, está em um ambiente climatizado, confortável, onde o calor não é um obstáculo para a concentração. A segunda, de uma família mais pobre, tenta absorver o conteúdo escolar enquanto sua atenção é desviada pelo calor sufocante, pelo suor escorrendo no rosto e pelo desconforto de um ambiente abafado. A diferença de temperatura no ambiente de estudo pode, no longo prazo, significar uma diferença de oportunidades de vida.
E não para por aí. O calor também interfere na qualidade do sono. Quem dorme em um ambiente refrigerado descansa melhor, acorda mais disposto e rende mais no dia seguinte – seja no trabalho ou nos estudos. Quem não tem acesso a isso enfrenta noites mal dormidas, cansaço acumulado e menor produtividade.
Esse cenário só tende a se agravar com o aquecimento global. As ondas de calor serão cada vez mais intensas e frequentes, tornando a refrigeração não apenas um conforto, mas uma necessidade. No entanto, a desigualdade de acesso a esse recurso essencial mostra como o Brasil ainda não está preparado para enfrentar essa nova realidade climática.
A pergunta que fica é: o que podemos fazer para evitar que o acesso ao ar-condicionado se torne mais um marcador de exclusão social? O desafio não é apenas garantir que mais brasileiros possam se proteger do calor, mas que essa proteção seja feita de maneira sustentável, sem sobrecarregar o sistema elétrico e sem agravar ainda mais o problema ambiental.
A refrigeração precisa deixar de ser um privilégio para poucos e se tornar um direito acessível a todos. E isso passa por políticas públicas que incentivem o acesso a tecnologias mais eficientes e sustentáveis, por iniciativas privadas que desenvolvam soluções acessíveis para as camadas mais vulneráveis e, principalmente, por um olhar atento àqueles que hoje são obrigados a conviver com o calor da desigualdade.