Entre a festa e o medo: como o assédio rouba o Carnaval das mulheres
27% dos brasileiros acreditam que uma mulher pulando Carnaval sozinha está disponível para ficar com alguém. Assédio precisa ser combatido por todos

O Carnaval é a grande festa da democracia brasileira: ruas lotadas, corpos livres, alegria transbordando por todos os lados. Porém, por trás da fantasia, do glitter e dos bloquinhos animados, se esconde uma realidade indigesta, especialmente para as mulheres: o medo do assédio. É como ir para uma festa prometendo diversão, mas sabendo que pode terminar em pesadelo.
A pesquisa que realizamos no Instituto Locomotiva sobre o carnaval é clara como água de coco no verão carioca: quase metade das brasileiras (45%) já passou por situações de assédio no Carnaval. São 38 milhões de mulheres que, em vez de apenas pularem ao ritmo do samba, precisam driblar cantadas invasivas e toques indesejados. E o medo é ainda mais comum: 8 em cada 10 mulheres temem ser assediadas durante a folia. Algo está errado nessa equação da alegria.
No Carnaval, muitos homens ainda agem como crianças que confundem fantasia com realidade, acreditando na falsa ideia de que “ninguém é de ninguém” ou que pouca roupa é um convite aberto. Nada mais equivocado! Imaginar que uma mulher sozinha ou com uma roupa curta está disponível é tão absurdo quanto achar que quem entra em uma padaria necessariamente quer pão francês. Não faz sentido algum.
O problema não está só no comportamento individual, mas na persistência de crenças antiquadas (e criminosas): 27% dos brasileiros ainda pensam que quem pula Carnaval sozinho está querendo companhia amorosa. Pior ainda são os 16% de homens que acreditam não haver problema em roubar um beijo de uma mulher bêbada e com pouca roupa. Essa lógica torta é como justificar um assalto porque a carteira estava visível: um absurdo completo.
Para fugir do assédio, muitas mulheres adotam estratégias de defesa que acabam roubando justamente aquilo que a festa deveria garantir: liberdade. Rotas alternativas, grupos grandes, horários restritos—tudo isso para tentar evitar algo que não deveria sequer existir. Transferir a responsabilidade do assédio para a vítima é como culpar o pedestre pelo atropelamento na faixa.
O respeito não pode ser sazonal nem depender de contexto: precisa ser regra fixa. O “não” precisa ser ouvido e respeitado em qualquer época do ano. Para que o Carnaval continue sendo um patrimônio cultural genuinamente democrático, é preciso mais do que purpurina e marchinhas divertidas. É urgente que a sociedade inteira, especialmente nós homens, assuma seu papel ativo contra o assédio, deixando de lado o discurso fácil e realmente mudando atitudes.
Neste Carnaval, vamos vestir fantasia, pular, cantar e celebrar a liberdade. Mas acima de tudo, lembrar que respeito é obrigatório e que sem ele, qualquer bloquinho é só mais um bloco furado.