Enem joga luz para realidade vivida por mulheres invisíveis
Reconhecimento do trabalho doméstico ainda é grande desafio
Os desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil foi tema da redação do Enem, mas não é uma realidade nova. A divisão de tarefas entre homens e mulheres é uma questão estrutural da sociedade brasileira: mulheres que têm duplas jornadas diárias sem opção de escolha cuidam do trabalho doméstico sem remuneração, e não têm reconhecimento de seus parceiros e nem da sociedade.
Em 2018, o Instituto Locomotiva apresentou no Women 20 Outreach Brazil, em São Paulo, uma pesquisa sobre inclusão feminina no mercado de trabalho que já colocava luz nesse problema. Naquela ocasião, nossa pesquisa mostrou que o tempo médio gasto com afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas entre mulheres totalizava 92 horas por mês e, se recebessem salário pelo mercado de trabalho, elas ganhariam mais de R$ 1,066 trilhão por ano.
Neste ano, dados apresentados pela pesquisa do W.Lab, uma parceria dos institutos Locomotiva e IDEIA, apontam que as mulheres despendem 9% das horas semanais cozinhando e arrumando a casa. Entre os homens essa proporção cai para 5%.
Esse mesmo levantamento, como já comentei nesta coluna, mostra que as mulheres se apropriam de apenas 37% da renda gerada no Brasil, apesar de serem responsáveis por 52% das horas trabalhadas, considerando a soma do tempo dedicado a atividades domésticas e ao mercado de trabalho.
Diante de um histórico de lutas promovidas por diversos movimentos feministas brasileiros, são inegáveis as conquistas das mulheres nas últimas décadas, mas há um caminho extenso a ser percorrido. As mulheres ainda acumulam mais funções cotidianas que os homens. Além de trabalhar fora, têm que tomar para si, muitas vezes integralmente, a responsabilidade dos cuidados com a casa e com os filhos; e muitas vezes até dos pais idosos. Quase sempre sem ajuda de maridos, companheiros e filhos.
Mas não podemos deixar de reconhecer que, nos últimos anos, a renda delas tem crescido em relação à dos homens. Uma renda maior dá mais voz ativa e autonomia para tomar decisões que antes ficavam apenas a cargo dos maridos.
O Enem, ao colocar o assunto como tema da redação, obriga que uma nova geração reflita sobre problemas de gênero e proponha caminhos para criar uma nova realidade. Devemos intensificar o debate por políticas públicas e por mudanças culturais que promovam a igualdade de gênero.