Virginia na CPI das Bets: cinco conversas urgentes sobre influência
Estamos nas redes sociais há duas décadas. Passou da hora de encarar questões de credibilidade, responsabilidade e postura

“Tudo que sei sobre @Virginia é contra minha vontade.” A frase não é minha, mas aparece com frequência nas minhas timelines em redes sociais. Com certeza efeito das bolhas de algoritmos, porque ao contrário das pessoas que as IAs me mostram, muitos usuários de internet parecem ávidos por consumir tudo que envolve Virginia Fonseca, considerada uma das maiores influenciadoras digitais do Brasil atualmente.
Nesta terça (13), tanto quem busca saber sobre Virginia quanto quem preferia continuar alheio a sua existência, foi impactado por notícias sobre ela. A notoriedade extra veio de sua aparição na Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga possíveis irregularidades na divulgação das casas de aposta que atuam no país. Virginia foi uma das influenciadoras contratadas, e compareceu na condição de testemunha na chamada CPI das Bets.
Deixo aqui algumas reflexões sobre o episódio, elaboradas a partir dos meus estudos sobre vida digital, acrescidas de depoimentos de profissionais do mercado de influência e da academia. Conversaram comigo Carolina Frazon Terra, professora da ECA-USP; MM Izidoro, estrategista de narrativas da Agência Brunch; Thiago Pasqualotto, influenciador; e Daniele Rodrigues, diretora estratégica criativa da Mynd/DiaTV.

Listei cinco conversas que não podemos mais adiar depois do caso Virginia x CPI das Bets, não só entre profissionais da internet, mas como pessoas que vivem o digital no dia a dia (ou seja, quase todo mundo).
1. Números não constroem credibilidade
Parece meio óbvio, não? Na prática, não é. Muita gente, diante da escolha entre dois profissionais (um nutricionista, um dentista, um cabeleireiro) acaba preferindo o que tem mais seguidores — o número funciona como uma prova social, uma referência.
2. Não pode existir influência sem responsabilidade
Ou não deveria, pelo menos. Ao dizer na CPI que joga quem quer, Virginia agiu como se minimizasse sua capacidade de persuadir — alguém que cobra milhares de reais por um post e movimenta 53 milhões de seguidores só no Instagram sabe BEM de seu poder de convencimento. “Hoje em dia é mais do que claro que influenciadores, especialmente os grandes como Virginia, ocupam lugar mais poderoso que o de muitas emissoras de televisão: ditam roupas, costumes, certo e errado, como antes as novelas conseguiam. Isso tem diversos bônus, que trazem junto o ônus da responsabilidade. Para o bem ou para o mal, influenciadores têm que ser responsáveis pelo que inserem na vida de seus seguidores”, diz Daniele Rodrigues, diretora estratégica criativa Mynd/DiaTV
3. Vinte anos usando redes sociais, e ainda somos (quase) todos manipuláveis
Poucas pessoas sabem usar a mídia em seu favor como Virginia Fonseca. Ela provou isso nas escolhas de figurinos e de comportamento diante da CPI. A influenciadora compareceu de moletom com uma imagem da filha e uma frase fofinha, dentre outras escolhas estéticas atípicas no caso dela, como não usar maquiagem. “Tudo foi pensado para transmitir uma imagem de inocência em relação aos jogos e apostas que ela sempre ajudou a divulgar”, afirma Carolina Frazon Terra, professora da ECA-USP. “Lembrou o visual infantil que Suzane Von Richtofen tentou emplacar numa entrevista ao Fantástico anos atrás.”
Desde o depoimento, parte da internet se dedica a falar da roupa de Virginia (o que é válido, não menciono isso aqui como crítica) e isso acaba desviando parcialmente o foco do que, afinal de contas, ela disse em seu depoimento. Além disso, a influenciadora aproveitou a visibilidade que seu depoimento teria para divulgar um copo cor de rosa com o logo de sua marca. E, num movimento altamente viralizável, confundiu o microfone no qual falava com o canudo que usava para beber água — não sabemos se foi apenas jogo de cena ou distração legítima, cabe apontar.

4. Influência digital precisa, com urgência, de regulamentação
Para parte do público, ainda existe uma percepção equivocada de que influenciadoras são “blogueirinha”. Ou seja, meninas que dedicam seu tempo a mostrar roupas e produtos de beleza em diários on-line. A era do amadorismo acabou faz tempo, dando lugar a uma engrenagem que move montanhas de dinheiro. É preciso consolidar mecanismos capazes de responsabilizar quem atua nesse segmento com respostas à altura de seu poder de moldar a vida do país. Isso inclui, claro, o tipo de produto liberado ou vetado para publicidade.
Se a publicidade tradicional tem restrições quanto ao cigarro, por exemplo, por que não as casas de apostas? Virginia alega que não fez nada ilegal ao divulgar as bets — e não é mentira, ainda que seja um argumento questionável do ponto de vista ético. “Não dá mais para comunicar coisas sem entender seus malefícios, agir como se as pessoas não estivessem perdendo dinheiro. Temos que, coletivamente, entender, sentar e criar diretrizes”, diz MM Izidoro, da Agência Brunch.
5. Nossos parlamentares sempre podem surpreender negativamente
Sim, Virginia compareceu na condição de testemunha e não de investigada. Mas isso não torna aceitável a postura dos senadores que pediram para tirar selfie e rasgaram elogios a ela numa sessão de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Consequências dos nossos tempos, em que a visibilidade é um imperativo: políticos que tratam um depoimento como uma oportunidade de “collab” de conteúdo. “Engajamento não é o mesmo que relevância. Não adianta a gente ficar pedindo para nossa profissão de influenciador ser regulamentada para ser levado a sério, se nem os próprios senadores levaram este momento da CPI a sério. Virou um verdadeiro circo“, comenta o influenciador Thiago Pasqualotto.