Comer em euro é uma fortuna? Não nos bouillons
Uma oportunidade para provar todos os clichês da culinária francesa e gastar pouco - com vinho incluído
Paris é uma cidade cara que a Olimpíada tratou de tornar proibitiva. Até aí, nenhuma novidade. E o que vem agora também não brotou hoje no horizonte da Cidade-Luz – é notícia lá do século XIX. Mesmo assim, muita gente não conhece os bouillons, um gênero de restaurante que, em comum, oferece comida tradicional francesa (l’oeuf mayo, o ovo coroado com maionese caseira, ou escargot na entrada, seguidos de confit de canard ou boeuf bourguignon e finalizados com ìle flottante, tipo um mini pudim de claras, só para citar uns exemplos). O menu é servido em espaçosos salões art déco, e a conta é digerível: todo o percurso, regado com um razoável vinho da casa, sai por cerca de 20 euros.
Bouillon é um caldo concentrado, que pode ser à base de frango, carne, peixe ou vegetais. Em 1860, o açougueiro Pierre-Louis Duval entendeu que poderia haver aí uma linha de negócios ainda inexplorada, à base de refeições generosas a valores miúdos que o pessoal que dava expediente em Les Halles, o mercado central de Paris (agora um shopping), pudesse pagar. Foi servindo bouillon, um prato substancial, fácil e barato de fazer, que ele encontrou o caminho para empreender. Virou seu carro-chefe.
Deu tão certo que a moda pegou. Em 1900, havia 250 exemplares por Paris, com um cardápio que foi se ampliando – alguns ainda em funcionamento.
As raízes do fast food?
O mais antigo e famoso deles é o Chartier, de 1896, que, sim, virou cadeia (são três ao todo) e, sim, tem serviço ligeiro para fazer a fila andar. Lembra fast food? Pode ser, mas é muito mais legal. E tem um detalhe: se o garçom fizer bico porque uma mesa se demora demais a ir embora, sempre é possível responder com um bico de volta.
Outra rede conhecida pelo formigueiro humano na porta é a dos bouillons République e Pigalle, estes mais novos. Chegando à Place de la République, não precisa nem do endereço – é só procurar um amontoado de gente que espera para entrar, até quando os termômetros invernais castigam a população.
Também é assim no Pigalle, perto do ultra turístico Moulin Rouge, no pé de Montmartre, que, aliás, faturou um prêmio curioso – a Association pour de Sauvegarde de L’Oeuf Mayonnaise reconheceu a excelência da casa no preparo da iguaria num certo campeonato mundial.
Voltando às origens
A invenção do restaurante faz parte de um movimento na direção da modernidade que tem raízes no século XVIII. Eles ganharam impulso decisivo na Revolução Francesa, quando os chefs que haviam saciado tão bem o apetite da aristocracia ficaram desempregados e abriram seus estabelecimentos em busca de sustento.
E havia clientela: no caldeirão revolucionário, muita gente veio das províncias para Paris e, mais do que isso, comer fora era como um statement – a burguesia sinalizava assim que comida boa não era mais privilégio da aristocracia.
A coisa evoluiu de forma tal que, em 1820, a cena parisiense registrava 3 000 restaurantes, fincando uma cultura que só se aprofundou. Altas ideias fervilharam à mesa. Nos cafés e brasseries nasceram o enredo de clássicos e bons papos se desdobraram em escolas de pensamento. Henri Matisse e Pablo Picasso às vezes pagavam a conta com seus rabiscos nos guardanapos. Cafés como o Flore, no burburinho de Saint Germain, eram parada obrigatória para Sartre, Camus e outros.
Em 1900, o advento do Michelin, que virou a bíblia da gastronomia, pôs mais fermento nesta indústria ultra competitiva. A França é o país com mais estrelas no guia e abriga chefs que têm nas panelas, e no reconhecimento de suas obras culinárias, uma obsessão. Que ninguém espere haute cuisine de um bouillon, mas um menu francês, com certeza, sem sofrimento na hora da dolorosa.