O risco da “desástrofe”
A mistura de desastre com catástrofe prevista por estrangeiros para o Rio não aconteceu e tudo indica que não ocorrerá mais. Pelo menos até o dia 21 de agosto
A festa de abertura dos Jogos Olímpicos, na semana passada, marcou uma inflexão no humor dos cariocas. A imagem depreciativa que faziam do Rio mudou como num passe de mágica, embalada pelo desfile de Gisele Bündchen e as estripulias visuais e ecológicas de Fernando Meirelles. Além da festa coruscante, o início das competições também mudou a percepção internacional da cidade. Aquilo que um jornalista americano chamou de “desástrofe”, a tempestade perfeita que juntava vírus zika, baía poluída, violência e atrasos nas obras de infraestrutura, deixou de ser um pesadelo para se transformar apenas em delírio de um gringo exagerado. Os problemas continuam a existir, é obvio, mas todos passaram à esfera das devidas dimensões que têm na rotina de uma metrópole de um país emergente.
A galera relaxou. Passamos a torcer enlouquecidamente para qualquer esporte, qualquer atleta e qualquer país. Estrelas de primeira grandeza têm sido ovacionadas fervorosamente nas arenas e estádios e o mesmo entusiasmo é dedicado aos derrotados, numa inequívoca mostra de solidariedade. Na categoria dos astros esportivos, Michael Phelps, por exemplo, chorou de emoção no pódio ao receber sua 20ª medalha de ouro, enquanto a multidão urrava a seu redor. Já o nadador barrigudo da Etiópia, Robel Kiros Habte, jamais imaginou, mesmo em seus mais doces sonhos, que seria aplaudido por uma plateia em pé por ter chegado em último lugar. Nos jogos, o Rio está fazendo o que sabe melhor: receber de braços abertos a todos que aqui chegam. Só não vale ser argentino, esses sim banidos da onda de xenofilia que invadiu a cidade. Para eles sobraram mesmo as vaias.
Embalados pela euforia temporária, os cariocas terão um duro ajuste de expectativas a ser feito a partir do dia 21, quando a pira se apagar. Quando isso acontecer não existirá mais a desculpa das Olimpíadas para procrastinações, as obras que sobraram pelo caminho não terão mais prazo para serem concluídas e o governo federal não despejará bilhões na conta do estado para salvá-lo do colapso.O cenário não é róseo nem empolgante. Há duas semanas, a revista inglesa The Economist, a mesma que estampou o Cristo Redentor decolando em sua capa, publicou uma longa reportagem a respeito do Rio. Nela, em um trecho contundente, nos compara ao personagem mais famoso do escritor Oscar Wilde, aquele jovem que tinha um retrato que envelhecia por ele. “A cidade merece a reputação de ser uma versão urbana de Dorian Gray – deslumbrante à vista do observador, mas completamente infectada pela corrupção por dentro”. E mais à frente desferia o golpe final: “Jogos bem sucedidos podem levantar o humor do Rio. Mas isso não será suficiente para transformar a cidade em um dínamo econômico. O cenário espetacular faz as pessoas quererem vir à cidade. Porém, apenas políticas de segurança mais sólidas, sistemas de gestão fiscal mais eficientes e melhores serviços públicos farão com que as pessoas queiram ficar.” Os ingleses, quando batem, o fazem com a mão pesada.