Zezé Di Camargo a VEJA: ‘Dizer que perdi a voz é uma maldade’
'Todo cantor pode falhar', diz dono de hits incontornáveis do sertanejo
Sentado em uma poltrona confortável no seu camarim, Zezé Di Camargo evitava conversar com sua equipe, amigos e até mesmo a esposa, Graciele Lacerda. Passava das 23 horas de uma quarta-feira gelada em São Paulo e o motivo do silêncio era nobre: o dono dos famosos trinados do hit É o Amor estava fazendo inalação e poupando a voz. Logo mais, às 2h da madrugada, ele subiria ao palco de uma casa noturna sertaneja da cidade com seu novo projeto, Rústico, feito sem o irmão Luciano, e no qual aposta num repertório que mescla sucessos do passado e canções que remetem à sua cidade natal, Pirenópolis, interior de Goiás.
O cuidado não era à toa: um vídeo que viralizou no início de maio, em outra apresentação da mesma turnê, deixou os fãs preocupados ao flagrar sua voz praticamente desaparecer enquanto tentava entoar um de seus indefectíveis agudos.
No show ocorrido na capital paulista no último dia 31, que foi acompanhado pela reportagem de VEJA, a voz não chegou a falhar, mas o desgaste era visível. O problema é antigo: começou em 2008, após uma cirurgia para retirada de um cisto nas cordas vocais, e vem se acentuando desde então. Durante as quase duas horas de apresentação, a todo momento ele evitava os agudos. Em várias canções, pedia apoio dos fãs, que sabem de cor seus sucessos. “Considero este show uma cantoria entre amigos”, disse.
Apesar do problema, Zezé não cogita parar de cantar. Em entrevista depois do show (leia abaixo), uma das raríssimas vezes em que abordou o assunto publicamente, disse que a voz de todo artista falha. “Mas a crítica só pegou em mim”, defendeu-se. “Todo profissional corre o risco de errar.” De fato, astros do calibre de Gilberto Gil, Axl Rose e Shania Twain tiveram suas vozes prejudicadas após procedimentos cirúrgicos e admitiram publicamente que elas mudaram. No início do ano, Shania disse a VEJA que foi milagre voltar a cantar após enfrentar a doença de Lyme, infecção transmitida por carrapatos, endêmica nos Estados Unidos. “Minha voz jamais será a mesma”, contou. Já Gilberto Gil admitiu em entrevista à seção Páginas Amarelas, há duas semanas, que abusou da voz numa “dimensão lancinante”.
Nos últimos tempos, o problema nas cordas vocais não foi a única pedra no caminho de Zezé. Em 2020, ele sofreu o baque da perda do pai — que enfrentou uma longa doença e morreu enquanto morava com o filho na fazenda do artista, no interior de Goiás, para onde se mudou na pandemia. Foi graças a seu Francisco que o Brasil tomou conhecimento da dupla. O pai ligava insistentemente para as rádios pedindo as músicas de Zezé Di Camargo & Luciano — história comovente retratada em 2005 no filme 2 Filhos de Francisco, de Breno Silveira, que levou 5,3 milhões de pessoas às salas de cinema.
Apesar de prosseguirem juntos, a parceria com Luciano também dá sinais de desgaste. E não é de agora: em 2011, no auge de um desentendimento entre ambos, o irmão chegou a abandonar o palco. “Há muito tempo que venho brigando com isso e não consigo mais lidar”, disse Luciano na ocasião. Apesar de não compartilharem o mesmo camarim desde então, a dupla prossegue ativa. Na última semana, eles dividiram o palco em shows no litoral paulista. O irmão mais novo, porém, tem se dedicado mais à sua carreira-solo, direcionada ao gospel. “Uma das primeiras músicas gospel que Luciano cantou, Quem É Ele?, fui eu que escrevi”, diz Zezé.
Como provam seus 20 milhões de discos vendidos, Zezé é dos artistas mais queridos do país. Mas, a exemplo de tantos sertanejos, passou a inspirar amor e ódio ao se engajar na campanha derrotada de Jair Bolsonaro. Por isso, hoje enfrenta mais esse dilema: falar sobre o assunto virou um tabu. Enquanto a voz política se calou de vez, a artística segue lutando contra as atuais dificuldades.
“Todo cantor pode falhar”
Zezé Di Camargo defende-se das críticas por suas últimas performances e, aos 60 anos, diz que só vai se aposentar quando não tiver mais condições de fazer shows.
Seu novo projeto, Rústico, significa um retorno às raízes na roça? Nunca perdi isso, sempre gostei da roça. Apesar de morar por anos em São Paulo, sempre tive uma predileção pelo interior. Se eu puder escolher entre um mês de folga no sítio ou em Paris, prefiro o sítio.
Na pandemia, a convivência com seu pai foi muito próxima. Como lidou com a morte dele? Se a pandemia teve algo de bom, foi interromper minha agenda e me fazer ficar perto do meu pai. Em 2020, eu tinha sessenta shows marcados e só fiz dois. Nos mudamos para a fazenda e tive o privilégio de ficar ao lado dele nos quatro meses finais de sua vida. Era o último a falar com ele antes de se deitar e o primeiro quando ele acordava.
Viralizou nas redes um vídeo que mostra sua voz falhando. O que ocorreu? É natural a voz falhar em um ser humano que canta sexta, sábado e domingo. Em minha defesa, posso dizer que não faço playback. O vídeo a que você se refere é de um momento em que mostro um agudo que só mulheres conseguem cantar. Alguém filmou e disse que minha voz sumiu.
Então foi algo normal? Com raríssimas exceções, a voz de todo cantor pode falhar. Dizer que perdi minha voz é uma maldade muito grande. Ninguém diz que o Zezé Di Camargo é embaixador do Hospital do Câncer de Barretos e que doou milhões de reais para lá. Nem falam das doze casas que doei para famílias carentes.
Aos 60 anos, já cogita se aposentar? Não. Cantar é um prazer. Só paro quando eu não tiver mais condições. Agradeço aos fãs que pagam para eu me divertir por duas horas.
O senhor esteve entre os artistas que apoiaram Bolsonaro. Arrepende-se de ter entrado na campanha? A única coisa que digo é que o tempo trará a verdade.
Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846
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