O show dos likes: a força por trás de eventos como Lady Gaga em Copacabana
Muito antes de acontecer de fato, a apresentação já expunha a força de um fenômeno: os megashows feitos para viralizar (e faturar) nas redes

Um burburinho já agitava a internet no final de 2024, quando surgiram os primeiros rumores de que Lady Gaga se apresentaria em Copacabana sem cobrar ingresso — visando, assim, atrair o maior público de sua carreira nos palcos. Dito e feito: em fevereiro, uma live da prefeitura do Rio confirmou o evento — pouco depois, a própria cantora fez o mesmo em suas redes. No Instagram, o anúncio agregou mais de 1,1 milhão de curtidas e superou todos os outros comunicados referentes à turnê de seu novo disco, Mayhem. No X, antigo Twitter, acumulou quase 11 milhões de visualizações. Desde então, a mobilização digital de patrocinadores, fã-clubes e influenciadores em torno do evento apenas multiplicou os números e manteve o assunto no topo dos mais comentados na internet do Brasil, terceiro país com mais heavy users das redes sociais — usuários que doam horas a fio às telas. Já testada por Madonna em 2024, a receita de sucesso é agora consagrada e se prova não só um agrado aos little monsters, como são conhecidos os fãs dela, mas uma mina de ouro publicitária responsável por gerar impressões em massa relativas à artista e às marcas que bancam a apresentação — no caso de Lady Gaga, o principal patrocinador foi a Ambev (veja a entrevista na pág. 17). Um fluxo que explodiu de vez com o desembarque da artista no país, na segunda 28, produzindo factoides em série. Muito antes de enfim se concretizar, neste sábado, 3, o show de Lady Gaga no Rio já expunha um fenômeno notável: a indústria do entretenimento vive a era dos megaeventos virais — aqueles que nascem, florescem e têm nas redes sociais sua irresistível razão de ser (e faturar).

Gaga, que ascendeu ao posto de estrela global entre 2008 e 2009, é talvez a artista que melhor resuma essa nova etapa do showbiz: construiu toda a sua carreira de forma radicalmente viral, pensando cada passo — dos clipes aos posts — como ferramenta de mobilização virtual dos fãs. Isso vem desde os idos do “ancestral” MySpace até seu atual uso do TikTok, em que republica e comenta material produzido por seus seguidores com a naturalidade de uma amiga. Lady Gaga canta de verdade ou faz uso do famigerado playback? Até esse veneno, que por décadas foi temido por tantos popstars, agora vira arma a favor: um problema no microfone durante o recente Festival Coachella — show que tende a se reproduzir no Rio — serviu para ela informar que, sim, usa o gogó de verdade. As redes foram ao delírio.
O evento carioca também é cirurgicamente pensado para ser replicado na web: a área vip que circunda o palco instrumentaliza o sonho que os fãs têm de chegar o mais perto possível da cantora. Os patrocinadores promovem dinâmicas on-line que vão de sorteios até competições de conteúdo para ter direito a esse palco privilegiado — ganhando em troca um exército de milhares de fãs que fazem propaganda espontânea para as marcas.

No desespero pelo tão cobiçado acesso à área vip, um “devoto” de Gaga decidiu tatuar o logo de um dos patrocinadores, o banco Santander, no braço, enquanto outro optou por se pintar de vermelho dos pés à cabeça e ir assim até uma agência. No TikTok, vídeos que registram o clamor pelos ingressos vip geram milhões de visualizações sob a hashtag “SantanderComAMother” — o número de interações supera com folga o público total previsto no show, de 1,6 milhão de pessoas. Em comunicado a VEJA, o banco ainda comemora que, após o anúncio, ultrapassou 1 milhão de seguidores no Instagram.
A plataforma de streaming Deezer, por sua vez, gerou mais de 30 000 interações e chegou à primeira posição dos trends no X ao oferecer ingressos num sorteio mediado por um fã-clube. Ao todo, a marca levará dezenove sortudos. “Temos um retorno em assinatura, mas a maior vantagem é a conexão da marca com o público”, explica Yuri Valdevite, executivo da empresa. De acordo com ele, a escolha do Brasil para patrocinar eventos desse porte vai além da recepção calorosa ou da população eclética: tem como maior estímulo o alto potencial de crescimento do streaming no país.

O frenesi viral de Lady Gaga está longe de ser novidade, claro, em matéria de manipulação dos anseios dos fãs: só eleva exponencialmente, graças à arena virtual, o alcance de táticas de promoção celebrizadas por bandas como os Beatles. Nos idos de 1969, o conjunto fez um show-surpresa num terraço londrino: o evento causou caos nas ruas, foi interrompido pela polícia e acabou eternizado no documentário Let It Be. Os Fab Four fizeram escola. Em abril, a cantora Lorde fez algo parecido: avisou que estaria em um parque de Nova York com duas horas de antecedência, atraiu milhares de fãs e foi impedida pela gestão do local. Após três horas de atraso, conseguiu subir num palco para mostrar sua nova música, virou assunto principal nas redes e conseguiu seu maior sucesso no streaming em muito tempo. Charli XCX, que fez de Brat o álbum mais viral de 2024, também estreou um disco de remixes no mesmo modelo, em apresentação intimista e gratuita que foi transmitida na Twitch para 300 000 usuários. Até Beyoncé, a mais inatingível das estrelas pop, recorre à tática: quando foi de surpresa à Bahia em 2023 para promover o filme da turnê Renaissance, tornou-se protagonista de memes mil. Na indústria musical de hoje, o show é dos likes.
Publicado em VEJA de 2 de maio de 2025, edição nº 2942