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O Som e a Fúria

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John, Yoko e Eu: as revelações de um amigo do casal mais famoso do rock

Radialista americano conta em livro como se tornou amigo e confidente da dupla que marcou a música

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 11 abr 2025, 16h46 - Publicado em 11 abr 2025, 06h00

Em 1971, aos 26 anos, o radialista americano Elliot Mintz ouviu o recém-lançado álbum Fly, de Yoko Ono. Desconcertado pelo som viajante e experimental da artista, que então tinha 38 anos, ele se interessou em entrevistá-­la ao vivo em seu programa. Yoko topou e, durante os quarenta minutos em que ficaram no ar, falaram, claro, da carreira dela: “Um artista não precisa de talento, precisa apenas ter certo modo de pensar”, ela divagou. Abordaram também temas prosaicos, como o ato do cão de abanar o rabo, e coisas mais sérias, como a paz no mundo. O único tópico não abordado foi John Lennon, o ex-beatle e marido de Yoko. Como reconhece hoje Mintz, não foi lá uma entrevista marcante, nem pelas músicas de Yoko, nem pelo conteúdo. Mas ela lhe abriu portas — e que portas. No dia seguinte, Yoko ligou para o radialista para agradecer pelo bate-papo e por ele não perguntar sobre Lennon. “Os entrevistadores nunca querem conversar comigo, só com John”, desabafou — e falaram sobre amenidades por outros quarenta minutos. No outro dia, ela ligou de novo às 5 da manhã, apenas para comentar sobre um livro que havia acabado de ler. O roteiro se repetiu diariamente até que, algumas semanas depois, o próprio marido famoso entrou na linha. Ele queria saber sobre certas injeções experimentais usadas na época para emagrecimento — uma obsessão de Lennon. Desde a primeira hora, o casal demonstrou grande empatia por Mintz — ligação que durou até a morte do ex-beatle, em 1980, e que hoje o radialista ainda cultiva com Yoko, de 92 anos.

JOHN, YOKO E EU, de Elliot Mintz (tradução de Fabiano Morais; Sextante; 224 págs.; R$ 59,90 e R$ 34,99 em e-book)
JOHN, YOKO E EU, de Elliot Mintz (tradução de Fabiano Morais; Sextante; 224 págs.; R$ 59,90 e R$ 34,99 em e-book) (./.)

O discreto Mintz manteve os detalhes dessa longa amizade em sigilo por décadas, até finalmente trazer à luz o que viu e viveu com o casal no saboroso livro John, Yoko e Eu. Nele, Mintz descreve momentos absolutamente inacreditáveis ao lado dos dois — uma relação que tomou conta de sua vida a ponto de ele instalar uma linha de telefone exclusiva em casa só para atender Yoko e John. A iniciativa do livro teve o incentivo do filho do casal, Sean, de 49 anos — de quem ele só não foi padrinho, aliás, pelo fato de Lennon preferir convidar Elton John “porque daria presentes de Natal mais caros”. Com o aval da família, Mintz, hoje aos 80, sentiu-se então à vontade para contar os momentos privados que passou com eles, apresentando um raríssimo vislumbre do ex-beatle na intimidade. “Um dos seres humanos mais brancos que já vi na vida”, descreve ele sobre sua impressão inicial de Lennon, no dia em que o viu pela primeira vez, de sunga, na piscina de um rancho no interior da Califórnia, onde o casal se isolara para tratar dos efeitos da abstinência em metadona e heroína, que tentavam abandonar.

INTIMIDADE - Amigo e guardião do legado: com Lennon em 1980, meses antes da morte do cantor (acima); e colagem que ganhou do casal
INTIMIDADE - Amigo e guardião do legado: com Lennon em 1980, meses antes da morte do cantor (acima); e colagem que ganhou do casal (Bob Gruen/Cortesia do autor; Cortesia do autor/.)

Em entrevista a VEJA (leia entrevista), Mintz diz que até hoje não sabe por que ganhou a confiança do casal. “Eu poderia ter me casado, tido filhos ou até feito amigos mais convencionais e que não mantivessem segredos extraordinários”, afirma. Talvez resida aí a razão da confiança: Mintz sempre estava disponível. “Eu era sozinho, paciente, bom ouvinte e mantinha a boca fechada. As coisas que conversávamos não apareceriam no jornal no dia seguinte. E daí, se me ligassem no meio da noite e me acordassem?”, completa.

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Das confidências extraordinárias que testemunhou, a maioria aconteceu no edifício Dakota, em Nova York — em frente do qual Lennon foi assassinado em 1980. Numa delas, durante um melancólico almoço natalino com Paul McCartney, captou um diálogo impagável para qualquer beatlemaníaco. Lennon disse que não pensava mais em música, pois queria se dedicar ao filho Sean — ao que Paul respondeu que não conseguiria viver sem música. “Naquela noite, não pude deixar de pensar que aquele poderia ter sido um dia histórico se Lennon resolvesse pegar o violão, que estava ali, e compor com o amigo”, diz o autor. Mintz expõe outra nuance pouco conhecida de Lennon: o ex-beatle desabafava com ele sobre o medo de ser preso e deportado dos Estados Unidos por sua militância contra a Guerra do Vietnã nos anos 1970.

LUTO - Mintz (ao fundo) com Julian Lennon, Yoko e Sean, em 1984: homenagem ao pai
LUTO - Mintz (ao fundo) com Julian Lennon, Yoko e Sean, em 1984: homenagem ao pai (Allan Tannenbaum/Cortesia do autor/.)

A amizade continuou mesmo quando Lennon se separou brevemente de Yoko para viver seu “fim de semana perdido” em Los Angeles, período em que se jogou nas drogas com sua assistente, May Pang. Mintz deu uma de cupido na reconciliação com Yoko e testemunhou até brigas no estúdio com o polêmico produtor Phil Spector. Após o assassinato de Lennon, o amigo assumiu um novo papel na família. A pedido de Yoko, tornou-­se o inventariante da memorabilia de Lennon. Coube a ele, por exemplo, receber do hospital as roupas e os óculos ensanguentados que o músico usava quando morreu.

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COMPANHEIRO - Sempre presente: em 1975, Mintz e Lennon em passeio de barco pelo litoral de Nova York
COMPANHEIRO - Sempre presente: em 1975, Mintz e Lennon em passeio de barco pelo litoral de Nova York (Cortesia do autor/.)

O diligente trabalho arqueológico rendeu frutos musicais memoráveis. Após ouvir centenas de fitas cassete, encontrou a inédita Free as a Bird, composta por Lennon. Quinze anos mais tarde, ela seria apresentada como a última canção dos Beatles (até 2023, quando Now and Then foi recuperada com a ajuda de inteligência artificial). “Uma música boa”, diz o radialista sobre a canção. Mais de cinquenta anos após aquela entrevista com Yoko, Mintz prova que nem só de paz e amor viveu o casal roqueiro — eles também prezavam uma boa amizade.

“Yoko não é compreendida”

O americano Elliot Mintz, de 80 anos, revelou a VEJA detalhes de sua longa amizade com o casal John Lennon e Yoko Ono.

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O AUTOR - Mintz hoje: “Lennon era engraçado e espirituoso”
O AUTOR - Mintz hoje: “Lennon era engraçado e espirituoso” (Jimmy Steinfeldt/.)

Como eram Lennon e Yoko na intimidade? Eram um casal engraçado e incrivelmente espirituoso. Às vezes, melancólicos. Ele era um orador melhor do que ouvinte. Yoko era mais poética, otimista e sonhadora. É dela a inspiração para Imagine. Ela não vê televisão e lê livros constantemente.

O senhor fez o inventário da memorabilia do ex-beatle. Ainda há algo inédito? Ouvi centenas de fitas cassete de Lennon. Há momentos dele conversando com o filho Sean ou descrevendo um sonho. Há trechos compondo Strawberry Fields Forever, por exemplo. Em uma das fitas, havia uma versão de Free as a Bird, então inédita. Entreguei para Yoko e a música foi lançada anos depois. Se ainda existe algo inédito, não vi.

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Qual foi a importância de Yoko para Lennon? Provavelmente, ela é a pessoa mais incompreendida da história contemporânea. Ainda há uma geração de pessoas que acredita que ela separou os Beatles. Yoko era a musa de John e sua parceira intelectual.

Publicado em VEJA de 11 de abril de 2025, edição nº 2939

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