Gay, pobre e cristão: o roqueiro que desafiou o conservadorismo americano
Há 92 anos nascia o artista responsável por trazer a subversão ao rock and roll
No início dos anos 1950, no Estados Unidos fortemente marcado pelo segregacionismo, o destino de uma pessoa estaria diretamente ligado à cor da pele, à classe social e à orientação sexual. Richard Wayne Penniman, de Macon, na Geórgia, era negro, gay e pobre. Na ordem vigente da época, ele tinha tudo para jamais deixar de ser lavador de pratos, constantemente ofendido pelo patrão, em uma lanchonete da cidade. E, no entanto, com seu talento e canções irresistíveis, Little Richard, como ficaria conhecido anos mais tarde, foi a inspiração máxima de Elvis Presley, Jimi Hendrix, os Beatles e os Rolling Stones.
Nascido há exatos 92 anos, em 5 de dezembro de 1932, Little Richard enfrentava o preconceito com gritos de guerra que anos mais tarde se tornariam os cativantes refrões de seus sucessos: “A-wop-bop-a-loo-lop-a-lop-bam-boom!”. O sucesso musical foi inversamente proporcional às desgraças que enfrentou na vida. Seu pai, um diácono evangélico fabricante clandestino de bebidas, amava ouvir o canto gospel das igrejas frequentadas pelos negros, na Geórgia. E foi justamente esses cantos, que anos mais tarde, ao ser misturado com o R&B, que surgiu o rock and roll, com o lendário Chuck Berry.
Se por um Chuck Berry merece o título de criador do Rock, Little Richard foi o responsável por trazer a subversão ao ritmo, ao chocar o conservadorismo americano da época, com suas roupas extravagantes (que inspirou Prince), seu jeito endiabrado de tocar piano (espelho para Elton John criar suas diabruras no palco), além, é claro da rebeldia. Seus clássicos Tutti Frutti, Long Tall Sally e Good Golly, Miss Molly são clássicos incontestes do ritmo musical mais subversivo da história.
Por anos, Little Richard se viu atormentado por sua orientação sexual, ao se descobrir homossexual aos 13 anos e ser duramente reprimido pelo pai, que dizia ser coisa do diabo. Já adulto, abraçou definitivamente a fé cristã ao ver uma bola de fogo no céu (um satélite russo) e virou pastor. Desde então, intercalou períodos longe dos holofotes e próximo da igreja, e de total anarquia em cima dos palcos, tocando suas músicas e negando sua fé. Um conflito que jamais conseguiu conciliar.
Sem Little Richard, que morreu aos 87 anos, em 2020 o rock and roll talvez jamais existisse da maneira como conhecemos.