De treta com Lobão a tragédia: as revelações do baterista do Paralamas
Em um livro afiado, João Barone revê a trajetória da banda, da ascensão ao acidente com Herbert Vianna, e expõe bastidores do rock nacional
Titular das baquetas nos Paralamas do Sucesso, João Barone saca uma piada do anedotário do rock para explicar a “importância” de sua função em uma banda. “Sabe qual foi a última frase dita por um baterista antes de ser demitido? ‘Pessoal, fiz uma música’”, disse ele a VEJA. Apesar do rasgo de modéstia, Barone jamais teve sua competência questionada nos 43 anos de trajetória dos Paralamas. Ao contrário: sempre foi um pilar essencial no trio formado com Herbert Vianna e Bi Ribeiro. De quebra, mostrou-se um compositor capaz de criar sucessos: é de sua autoria um dos hits do grupo, Melô do Marinheiro. Agora, na recém-lançada biografia 1,2,3,4! Contando o Tempo com Os Paralamas do Sucesso, revela-se outra faceta do músico. Protagonista de um dos maiores fenômenos da música nacional, ele narra a história da banda desde sua ascensão, no começo dos anos 1980, até o trágico acidente de ultraleve que, em fevereiro de 2001, deixou o vocalista Vianna com sequelas motoras e neurológicas e vitimou sua esposa, Lucy. Observador atencioso e de verve afiada, Barone, aos 62 anos, vai além: em seu livro, resgata histórias impagáveis dos tempos heroicos (ou nem tanto, dependendo do personagem) do rock nacional.
A entrada de Barone nos Paralamas já é, em si, uma saga hilária. No final de 1981, os amigos Ribeiro e Vianna procuravam um kit de bateria emprestado para o então percussionista Vital Dias tocar no primeiro show que o grupo faria, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em Seropédica. Barone era um dos poucos estudantes que tinham o instrumento e topou cedê-lo. Na hora marcada, porém, Vital não apareceu — e Barone tocou em seu lugar. “Foi um encontro às cegas. Sem nunca terem me visto na vida, me pediram para substituí-lo, e nunca mais saí da banda”, relembra. O baterista demitido teve seu consolo: foi imortalizado em Vital e Sua Moto, primeiro hit dos Paralamas.
1,2,3,4! Contando o Tempo com Os Paralamas do Sucesso – João Barone
Embora não se considere historiador, apenas um entusiasta, Barone aproveita sua expertise como autor de livros e documentários sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra ao recontar a história da banda. Dono de uma memória prodigiosa e de grande acervo de fotos e vídeos, ele recria diálogos e situações que marcaram a longa jornada do grupo. Lembra como o trio estabeleceu laços com os principais roqueiros da geração 80. Às vezes com turbulências: a amizade com Lobão, por exemplo, azedou em razão de uma treta que virou folclore nos bastidores da música. Tudo eram afagos entre os Paralamas e o colega até 1984, quando Herbert Vianna mostrou a ele uma canção ainda inédita, chamada Me Liga. Após ouvir alguns versos, Lobão esbravejou e acusou-os de plagiar uma música dele que estava saindo do forno — a hoje manjadíssima Me Chama. E saiu do camarim de um show batendo a porta. A rusga durou anos. “Na época, ficamos decepcionados com a forma tão vil de ele falar de nós, moleques que éramos fãs. Hoje, o Lobão já ficou de bem com o mundo. Quando o Herbert ainda estava no hospital após o acidente, uma das primeiras músicas que ele tocou foi Me Chama. Lobão ficou tocado ao saber disso”, diz Barone.
O Passo do Lui – Os Paralamas do Sucesso [Disco de vinil]
O estouro da banda se deu em 1985, após uma apresentação histórica no Rock in Rio. Dali em diante, o grupo se jogaria na estrada, fazendo até dois shows por dia. O ápice foi o lançamento de Selvagem?, em 1986, quando o trio investiu em uma sonoridade mais brasileira, criando hits como Alagados e A Novidade. O álbum vendeu cerca de 700 000 cópias, um assombro para a época, quando apenas Roberto Carlos conseguia alcançar números superiores. Ao longo da carreira, lançaram quinze álbuns de estúdio e venderam cerca de 5 milhões de discos.
Barone recheia o livro com fotografias de bastidores e aventuras da estrada, como a turnê pela Europa em 1993, na qual tocaram com Brian May, do Queen. Meses depois, o glamour deu lugar a uma apresentação no porão precário de um clube em Madri, na Espanha. O calor era tanto que os três tiveram de parar no meio para tomar uma ducha e depois retornar — em sopa — ao palco. “Era a única maneira de ir até o fim”, conta.
O livro do disco: Os Paralamas do Sucesso, Selvagem? – Mario Luis Grangeia
Em contraste com as passagens divertidas e luminosas, Barone dedica a parte final do livro ao relato de como a banda recebeu a notícia do acidente com Vianna e dos dias de apreensão ante a possibilidade de ele morrer ou jamais voltar a ter movimentos e tocar. A narrativa termina logo após a tragédia — apesar de a banda atualmente ter mais tempo com Herbert já na cadeira de rodas do que antes, em uma reinvenção que foi desafiadora não só para o cantor, mas também para Barone e Ribeiro. “Nossa história não acaba onde termina o livro, mas eu tinha de dar um final para, quem sabe, lançar um segundo volume falando desses 23 anos pós-acidente”, afirma. Para quem viveu no olho do furacão do rock, segurar o ritmo hoje é fichinha.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2024, edição nº 2905