“Brinco com as cordas do piano”, diz Amaro Freitas sobre show no C6 Fest
Em entrevista a VEJA, o músico pernambucano falou sobre novo álbum e a técnica do "piano preparado"

Com ingressos esgotados, o pianista brasileira Amaro Freitas, de 33 anos, será uma das principais atrações do C6 Fest, no Auditório Ibirapuera, em 22 de maio. O brasileiro se apresentará no mesmo dia que Arooj Aftab e Mulatu Astatke. Nascido e criado em Recife, Pernambuco, o pianista é hoje um dos músicos mais celebrados no mundo, acumulando elogios do New York Times, nos Estados Unidos, Libération, da França, e The Guardian, da Inglaterra.
Para o show, Freitas fará, pela primeira vez, um show com um septeto, tocando canções de seu quarto álbum, o recém-lançado Y’Y (pronuncia-se “iê-iê”), inspirado na floresta amazônica.
Antes de conquistar o mundo, Freitas enfrentou obstáculos típicos de quem tenta viver de música no país. Ao se apaixonar pelo jazz, tentou estudar em um conservatório, mas seu pai não tinha os 30 reais da mensalidade. Aos 18, decidiu intercalar jornadas como atendente de call center entre shows em casamentos, bailes e bares — até finalmente se formar num curso de produção fonográfica.
O músico conversou com a reportagem de VEJA de Portugal, onde está para shows, por videoconferência. Confira a seguir os principais trechos:
O que está preparando para a apresentação no C6 Fest? Vou estrear um novo projeto, que é um septeto. Vou tocar músicas que rodeiam o repertório de meus quatro álbuns, Sangue Negro, Racif, Sankofa e o Y’Y, que fiz em tributo à Amazônia. Circulei bastante com esse trabalho no formato solo, agora vou apresentar com um grupo onde cada músico traz uma característica muito forte em sua própria linguagem. Vai ter muita improvisação ligada à música contemporânea mundial e ao jazz brasileiro.
Neste novo álbum você gravou uma canção com a técnica do piano preparado. Como funciona? É uma maneira de tocar o instrumento para além do que ele oferece em sua forma tradicional. Eu posso brincar com as cordas do piano, com sua estrutura, caixa de reverberação, com os pedais, chamada de técnica estendida. Ela pode dar uma sonoridade industrial, de música eletrônica, som de trovão, de chuva, etc. Para além da técnica estendida, existe outra, desenvolvida pelo John Cage, em que ele pegava materiais, como porca, parafuso, bola de golfe, ferro de passar e construía toda uma nova engenharia no piano, criando o piano preparado. Quando eu passo a adotar essas técnica, eu não queria que soasse apenas como experimentação, mas que soasse como música. Só que tocar um piano preparado pode ser muito difícil porque há pianos que custam milhões de reais. Não dá para fazer isso, por exemplo, num piano que toquei aqui no Teatro Municipal de Veneza, que custa cerca de dois milhões de reais. Em outros pianos, eu consegui usar elementos que fui buscar na Amazônia, sementes, cascas, apitos. Depois usei prendedores de roupa e outros objetos do dia a dia. Com isso, consegui criar uma atmosfera sonora pensando no encantamento da mata e de suas lendas, como a Iara seduzindo as pessoas.
Antes de vir ao Brasil para o show no C6, você está em turnê na Europa. Como estão sendo os shows por aí? Fiz três concertos na Itália e agora estou em Lisboa. Vou descer para Algarve para ensaiar com a orquestra de Jazz de lá e vamos fazer concertos em dois teatros. Na próxima semana vou para a França para o Ano do Brasil na França. No meio disso tudo, faço um show de piano solo no festival de jazz na Antuérpia. Depois vou para Porto Alegre e aí, finalmente, vou para São Paulo.
No início da carreira você enfrentou inúmeras dificuldades, de privação e necessidade. Hoje, sua música é elogiada no exterior por veículos como New York Times e The Guardian. Que balanço você faz hoje de sua vida? Esse reconhecimento tem a ver com trabalho duro de um pequeno núcleo que está comigo desde o começo e fez isso acontecer da melhor forma possível. Existem muitas coisas que eu fui aprendendo pela oportunidade de começar a viver dentro de um cenário internacional. Aí você se depara com outros tipos de músicas, com outras formas de personalidade, de criação musical, outras formas de sociedade, outras formas muito diferentes de como acontece no Brasil, sabe? Entendi que o meu lugar no mundo é ser sincero primeiro comigo mesmo e com aquilo que eu faço com a minha música.
Você lançou recentemente a canção Esperança, em parceria com o rapper Criolo e o cantor português Dino D’Santiago. Como se deu essa parceria? Essa foi uma pequena amostra do que está por vir. Já gravamos um disco que pretendemos lançar juntos, talvez, ainda este ano. Estamos no processo de mixagem. A primeira parte da produção foi em Lisboa, a segunda em Recife e o encerramento no Rio de Janeiro.