‘Bridgerton’: o homem por trás da atrevida trilha sonora da série
Indicado ao Grammy de melhor trilha sonora, o pianista e compositor Kris Bowers transformou hits pop em versões clássicas

Quando foi lançada, em 2020, a série Bridgerton imediatamente entrou no Top 10 da Netflix graças a seu enredo repleto de intrigas e casos amorosos, ambientado em uma fantasiosa versão da alta sociedade britânica dos anos 1800. Luxo, fofocas, manipulações e cenas quentes deram o tom da trama, baseada nos livros de Julia Quinn e com produção de Shonda Rhimes. A cereja do bolo, no entanto, foi sua trilha sonora. Canções pop ganharam novas roupagens para serem apresentadas como se fossem músicas de época. Na segunda temporada, que estreou recentemente, a tática se repetiu e deu tão certo que rendeu uma indicação ao Grammy de melhor trilha sonora para o compositor Kris Bowers. O músico é um dos responsáveis por transformar músicas pop e até rocks em versões clássicas. Nesta nova temporada, entraram músicas de Madonna, Nirvana, Rihanna, Alanis Morissette e Harry Styles. Bowers conversou com VEJA por videoconferência e revelou os segredos de suas composições. A seguir os melhores trechos:

Músicas pop podem ser atemporais e funcionar mesmo em séries de época? Sim. Na minha opinião, elas ajudam a situar o espectador em um período ou momento da história. Por exemplo, na primeira temporada de Bridgerton, quando toca Thank u Next, da Ariana Grande, os personagens estão entrando em um salão de dança. Eu pensei como os jovens daquela época se sentiriam ouvindo a música. A música tem a capacidade de nos colocar emocionalmente em um lugar e nos ajuda a explicar o que está acontecendo na história naquele momento.
É mais difícil transformar em música clássica Nirvana ou Katy Perry? Os arranjos foram feitos por um quarteto de cordas, mas o mais importante é que haja uma melodia forte. A melodia, a progressão, os acordes fortes ajudam. Sinto que músicas de hip hop são mais difíceis porque não são muito melódicas, têm poucas notas. Quando a melodia é forte, é fácil mudar os arranjos. Dá para tocar no piano ou no violão e imediatamente saber qual é a música. Sinto que uma música que possa existir em qualquer tipo de contexto, para mim, é uma excelente música. Não é difícil fazer novos arranjos quando a composição é boa.
E qual é o segredo para manter as músicas facilmente identificáveis? Quando eu vejo uma música da Madonna, por exemplo, não se trata apenas da melodia, mas de vários outros aspectos que são reconhecíveis e memoráveis. Tem ótimos vocais de fundo. Se você escuta na rádio, às vezes você só canta os vocais de apoio e não a letra. Há também um aspecto da levada rítmica que também é importante. Isso ajuda a pensar a música na hora de fazer uma versão. Capturar esses elementos é realmente importante. Quando um artista muda em um show completamente os arranjos de um hit muito conhecido, isso é muito arriscado, porque o público quer cantar junto. Quando eu faço uma cover, tenho de estar atento para não mudar tanto que as pessoas não possam cantar junto. Isso nos conecta emocionalmente à música.
Você acredita que os jovens que escutam músicas pop com arranjos clássicos podem, no futuro, desenvolver um gosto pela música clássica tradicional? Definitivamente, sim. Alguns amigos músicos me procuraram dizendo que ganharam novos alunos por causa de Bridgerton. Alguns jovens já me procuraram perguntando sobre aulas de violino ou violoncelo porque amaram a trilha sonora da série. Com certeza influencia.
Há o oposto também, quando uma música clássica é transformada em hit pop, como a 5ª Sinfonia de Beethoven usada em ritmo de discoteca no filme Os Embalos de Sábado À Noite (1977). Isso também ajuda a gostar de música clássica? Sim. Descobri sobre certos artistas de jazz por meio do hip hop, com samples de músicas clássicas. Eu estudei piano clássico na infância, mas não gostava, até que me aprofundei nas trilhas sonoras do cinema e comecei a ouvir as referências, como compositores como John Williams ou Howard Shore. O cinema e a TV são um ótimo meio para expor as pessoas à música que talvez elas não escutassem normalmente.