As razões que explicam a morte anunciada do velho e bom videoclipe
Numa era em que se consomem vídeos musicais com voracidade nas redes sociais e no streaming, o paradoxo chama atenção
Até o fim de 2025, a televisão mundial nunca mais será a mesma. Após 44 anos de programação ininterrupta, canais da marca MTV dedicados à transmissão de clipes serão extintos no Brasil, Reino Unido, França, Alemanha, Austrália e Polônia, declarando de uma vez por todas que a era dos videojóqueis ficou no passado e que agora imperam apenas os jovens seminus embriagados que protagonizam os reality shows da emissora principal da grife MTV. Era de esperar que a notícia derradeira causasse maior alarde — mas não. Poucos lamentos têm sido compartilhados por grandes artistas desde a divulgação da notícia, em novembro. Há anos, afinal, as estrelas do pop, do rap ou do rock não precisam mais de videoclipes para atingir o público.
Com as costas viradas para o que já foi o paradigma da indústria, a maior estrela da música em atividade, Taylor Swift, foca em outros empreendimentos — sem abandonar o audiovisual. Pelo contrário, ela lança na sexta-feira 12, no Disney+, o filme-concerto The Eras Tour: The Final Show, registro da última apresentação da turnê que encabeçou entre 2023 e 2024. O projeto é apenas o mais recente: já promoveu exibições de material do disco The Life of a Showgirl em mais de cinquenta países e superou 50 milhões de dólares em bilheteria, assim como lançou outra filmagem da mesma turnê em 2023 e levantou mais 261 milhões de dólares. Dos nove discos que lançou nos últimos anos, porém, só dois ganharam mais de um clipe, nenhum dos quais chegou perto do bilhão de visualizações.
O ocaso das produções musicais na MTV e a nova aposta de Taylor são duas faces de um só paradoxo: o videoclipe, que revolucionou o mercado nos anos 1980 e reinou absoluto por décadas, é um formato em extinção; e isso ocorre no auge do consumo de vídeos nas redes sociais e no streaming. Outros astros já dispensam a produção de clipes ou reduzem sua vazão. Beyoncé, que chegou a ousar com o álbum visual Lemonade, se recusou a lançar qualquer vídeo para os discos Renaissance e Cowboy Carter. O rapper Drake segue trilha similar.
Tal cenário seria impensável décadas atrás. Fundada em 1981 nos Estados Unidos, a MTV logo se tornou um fenômeno e ajudou a consolidar artistas do fin de siècle, como Madonna, Michael Jackson e Nirvana. Por meio do nicho, grandes cineastas exerceram o ofício com espaço para plena experimentação antes de chegar a Hollywood: o oscarizado David Fincher, de Clube da Luta (1999), é responsável pelos clássicos Vogue e Express Yourself, de Madonna, enquanto Jonathan Glazer, de Zona de Interesse (2024), fez carreira ao lado da banda Radiohead. Dentro do ecossistema criativo, até estrelas de cinema despontaram: Alicia Silverstone, que mais tarde brilharia com As Patricinhas de Beverly Hills, foi descoberta quando estrelou Cryin’, do grupo Aerosmith, em 1993.
O êxito foi contínuo até o auge, em 2011, quando a MTV chegou a fazer parte de 99 milhões de lares nos Estados Unidos. Naquele ano, o VMA, sua premiação, teve recorde de 12,95 milhões de espectadores — mas era o começo do fim. O então ascendente YouTube não seria mais mero acompanhante, mas o principal espaço para vídeos do tipo, e o público jovem consolidaria sua predileção por smartphones a televisores. Em 2025, a premiação chegou a apenas 5,5 milhões de espectadores — e o número ainda foi o melhor desde 2019, graças à transferência ao canal CBS.
Mesmo no YouTube os clipes não tardaram a perder força. Despacito, de 2017, é o mais visto da história por lá e chega perto dos 9 bilhões de views, mas não é ameaçado por nenhum outro hit. Entre os 100 mais vistos da plataforma, só um foi lançado na década atual, APT., da sul-coreana Rosé, ao lado de Bruno Mars. Parte disso vem da perda de atenção da nova geração, junto de sua sede por controle e interatividade imediata: “Antes, era só fazer um vídeo de três minutos. Agora, as gravadoras querem atingir todos os públicos da internet e recortar o material em dez formas diferentes”, já declarou Jennifer Byrne, chefe de desenvolvimento da produtora especializada Academy Films.
A verdade é que o velho clipe já não se ajusta aos dois principais canais por onde a juventude hoje consome vídeos de música: as redes sociais e as plataformas de streaming, como Netflix. Se nas redes imperam os sucintos reels e dancinhas do TikTok, o streaming se tornou um mercado crucial para os popstars, com filmes de turnês, séries documentais e afins — a receita tão bem executada por Taylor, em resumo. Os videoclipes pomposos que restam são principalmente forma de manutenção de marca. Lady Gaga utilizou The Dead Dance, dirigido por Tim Burton, para reforçar sua ligação com a série Wandinha, que impulsionou a faixa Bloody Mary e o disco Mayhem nas paradas. Já Taylor começou a dirigir os próprios vídeos em busca de prestígio e até fez campanha ao Oscar de curta-metragem por All Too Well, em 2022. Nada, contudo, tem o impacto dos idos do clássico Thriller, de Michael Jackson. Em tempos de crise de imagem, ainda bem que os clipes do passado permanecem na memória.
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2025, edição nº 2973
O que diz a última pesquisa sobre o potencial de Flávio na disputa presidencial
As reações de atrizes veteranas à fala de Regina Duarte na TV Globo
CCJ deu resposta imediata à decisão de Gilmar sobre impeachment de ministros do STF
Copa do Mundo 2026: confira como ficaram os grupos e quem são os adversários do Brasil
Sorteio da Copa do Mundo 2026: onde assistir ao vivo e horário







