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O Som e a Fúria

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A reedição do mais extravagante álbum da era mais viajandona do rock

Acaba de ser anunciado o lançamento de uma caprichada edição comemorativa aos cinquenta anos da obra

Por Sergio Ruiz Luz Atualizado em 22 nov 2024, 13h28 - Publicado em 22 nov 2024, 11h32

A onda dos álbuns conceituais, como foram chamados os discos nos quais as músicas giravam em torno de um mesmo tema, muitas vezes enfileiradas de forma a contar uma determinada história, ganhou impulso no universo pop com artistas como os Beatles. Na obra-prima Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, lançada em 1967, o Fab Four apresentava as canções como se tivessem sido compostas por uma banda fictícia. Mas foram os artistas de rock progressivo que elevaram o negócio a uma escala estratosférica. Em cima de arranjos musicais complexos nos quais os instrumentistas exibiam todo o seu virtuosismo, como era típico do gênero, os cantores desses grupos interpretavam letras sobre temas variados. As fontes de inspiração eram as mais diversas possíveis. Valia de tudo, literalmente: deuses da mitologia, livros clássicos da ficção científica, as seis rainhas consortes de Henrique VIII e até escritos de um prêmio Nobel de literatura, o alemão Herman Hesse.

Mesmo considerando-se esse páreo duríssimo de extravagâncias lançadas na mesma época, o Genesis superou a concorrência, criando o mais estranho álbum conceitual de todos os tempos. O disco duplo The Lamb Lies Down on Broadway (O cordeiro jaz na Broadway, em português) trazia como personagem principal um garoto com um visual pré-punk de Porto Rico que, ao chegar a Nova York, enfrenta delírios, encara dilemas morais e encontra criaturas místicas, incluindo vampiras. As complexas canções são recheadas de versos como “há alegria no meu estômago” ou “prudentes e tolas virgens gargalham com seus corpos ardendo de desejos”. No instrumental, destacam-se solos dos teclados de Tony Banks e os da guitarra de Steve Hackett. O produto chegou ao mercado há exatos cinquenta anos, em novembro de 1974, dividindo opiniões. A crítica odiou e os fãs transformaram o negócio numa das peças mais cultuadas da história da banda. 

capa
A capa do disco duplo (Reprodução/VEJA)

Antes de ó grupo decidir por esse enredo rocambolesco, um dos integrantes, o baixista Mike Rutherford, havia sugerido criarem um álbum conceitual baseado no livro O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry. Acabou gongado pelo restante dos músicos, que acharam a ideia “fofa” demais. Assim, a fábula nova-iorquina saída da cabeça do cantor Peter Gabriel prevaleceu. Na fase de composição do álbum, enquanto ele escrevia as letras num cômodo separado, o restante da banda cuidava das partes instrumentais em outra sala.

Os ensaios ocorreram em Hampshire, um condado ao sul da Inglaterra, numa casa que havia pertencido a um dos personagens mais polêmicos do século XX, o ocultista Aleister Crowley, que se autointitulava “A Besta do Apocalipse”. Ele ganhou seguidores e haters na mesma proporção, protagonizando episódios de magia negra com sacrifício de animais, orgias e consumo de drogas. Segundo conta o guitarrista Steve Hackett, trabalhar num local onde havia vivido esse bruxo não foi uma boa ideia. “Ouviam-se barulhos estranhos à noite e era impossível dormir”, lembrou ele num documentário sobre a história do Genesis.

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O disco The Lamb Lies Down on Broadway foi o último do grupo inglês com Peter Gabriel , que deixou a banda rumo a uma carreira-solo. O impacto provocado pela baixa do carismático cantor no auge do sucesso da banda era o equivalente a Mick Jagger abandonar os Rolling Stones. Apesar do trauma, como se sabe, o Genesis sobreviveu. O papel de Gabriel acabou sendo assumido por Phil Collins, que passou a acumular as funções de baterista e de cantor (a coincidência nos timbres das vozes ajudou muito na transição). 

Deliciosamente datado e indicado apenas para os heavy users do rock progressivo, The Lamb Lies Down on Broadway terá direito a um relançamento de luxo em comemoração aos cinquenta anos da obra. O pacote inclui cinco LPs (um deles com um show inédito da banda tocando na íntegra o disco) e uma mixagem em Dolby ATMOS do mesmo repertório. Deve chegar às lojas no início do ano que vem.

Durante muito tempo, o Genesis seguiu incluindo nas apresentações algumas peças do álbum de 74, mesmo quando a banda já tinha deixado o rock progressivo, passando a fazer mais sucesso ainda com músicas pop compostas em sua maioria por Phil Collins. No último show do grupo, realizado há dois anos em Londres, a música que encerrou o concerto foi Carpet Crawlers, um dos clássicos do The Lamb Lies Down on Broadway. Peter Gabriel estava na plateia.

 

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