Um 007 negro seria o fim do personagem?
Todo mundo é antimachista, anti-imperialista e anti-racista, mas ninguém resiste ao charme e à virilidade disfarçada em elegância de Bond, James Bond
Por que James Bond ainda não foi engolido pelo esquecimento?
Porque as pessoas mentem.
Todos dizem horrores desse domínio anglófilo representado pelo agente do MI6 com permissão para matar, mas na hora de escolher um filme no sábado à noite — entre, digamos, uma chatice europeísta e uma peça de militância travestida em cinema — acabam comprando ingresso para o mesmo espetáculo de pancadaria que marcou o entretenimento no último século.
James Bond é machista?
Sim, e dos brutos, basta observar o “uso” que faz das mulheres em suas andanças pelo grand monde, manipulando-as, descartando-as e às vezes matando-as conforme a necessidade da sua missão.
James Bond é imperialista?
Bem, essa é a própria razão de ser do personagem. Os títulos dos seus filmes revelam que ele está a serviço secreto de sua majestade. Não é pago para fazer o bem, mas para defender os interesses da Coroa.
James Bond é racista?
Por definição, sim. É muito difícil que o imperialismo se sustente sem uma crença subentendida de que o povo dominador é mais evoluído que o povo dominado. Isso fica claro a cada vez que o agente atira num traficante “chicano” ou explode um terrorista eslavo.
Que horror, né? Pois é, mesmo assim as bilheterias dos últimos filmes, proporcionalmente, renderam mais que no princípio da franquia. Skyfall, de 2012, fez mais de um bilhão de dólares! Nos anos 1960 até dava para entender o fascínio exercido pelo personagem, mas como é possível que isso aconteça hoje, com tanta gente construindo um mundo melhor no Instagram? Alguém vai dizer que apenas os fascistas curtem o 007? Caramba, como tem gente má neste mundo…
De novo: as pessoas mentem.
Todo mundo é antimachista, anti-imperialista e anti-racista, mas ninguém resiste ao charme e à virilidade disfarçada em elegância de Bond, James Bond (música-tema ao fundo). Isso acontece por uma razão bastante simples: o personagem nunca dá discurso sobre a fantasia de poder que representa. Prefere as tiradas espirituosas, sempre depois de assassinar os seus oponentes traiçoeiros ou antes de transar com a bond-girl da vez (“shocking!”, como no vídeo abaixo, e a cena da banheira, no vídeo mais abaixo).
Quando muito, numa ironia típica dos indisciplinados, faz piada sobre as reais intenções da coroa britânica, mas nada de falatório sobre a importância do seu trabalho para a preservação do mundo livre etc. e tal. Essa é a essência do personagem, é assim que ele funciona, e pouco importa — repetindo, pouco importa — se for interpretado por um ator moreno, loiro, asiático ou negro.
É por isso que toda essa celeuma em torno da possível escolha de Idris Elba como o próximo 007 não possui o menor sentido, principalmente se colocarmos Elba, que tem presença, ao lado do franzino e assustadiço Tom Hiddleston, outro candidato ao papel. Um James Bond negro funcionaria da mesma forma que um James Bond branco, desde que continue sendo machista, imperialista e racista (sim, pelo menos no sentido cultural).
Só não pode dar discurso, hein!
Seria vexatório se o Idris Elba, na cena final, segurasse o vilão pelos colarinhos e começasse a dizer coisas como: “agora você vai ver o que acontece com quem desrespeita a diversidade (soco na cara do bandido), vou te ensinar de uma vez por todas que as pessoas devem ser julgadas única e tão-somente pelo conteúdo do seu caráter (e agora uma cabeçada no nariz do intolerante)”.
Isso sim é que seria o fim do personagem.
Pouca gente sabe que quem manda na franquia do James Bond é uma mulher, Barbara Broccoli, que só assina um cheque depois de verificar as pesquisas. A palavra final na escolha do próximo ator é dela. Optará por um negro? Dificilmente. Por quê? Por causa das pesquisas, entende?
Ela sabe que as pessoas mentem.