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Sobre pais e filhos

Diário de Avô – Uma celebração à vida

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 30 jul 2020, 19h03 - Publicado em 2 abr 2020, 13h00

3/1/2008

Há cursos obrigatórios para formação em qualquer coisa. Para o que é mais importante – ser pai ou mãe – não há. Ninguém é sequer treinado.

Do curso infantil no Instituto Pestalozzi, no Recife, até me graduar em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, estudei 17 anos consecutivos.

Não fiz nem cursinho intensivo para ser pai.

Aprende-se – ou não – a ser pai e mãe com os próprios pais. E com os pais dos outros. E com o que se ouve ou se lê a respeito aqui e acolá. A maioria nada lê.

Com meus pais aprendi que excesso de amor pode fazer mal aos filhos – mas que sempre fará menos do que pouco amor ou nenhum. Creio que Rebeca aprendeu o mesmo. Ocorre que ela levou a lição mais ao pé da letra do que eu.

Gustavo, meu filho do meio, por exemplo, sentia muito ciúme de Sofia quando os dois eram crianças. A diferença de idade entre eles é de três anos. Aos 23, e a poucas semanas de dar à luz a Luana, ainda acho Sofia uma criança – mas deixa isso pra lá.

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Tão logo Sofia nasceu, o esporte preferido de Gustavo era bater nela. E o que fazia Rebeca em tais ocasiões?

Para meu espanto, depois de consolar Sofia e conferir que ela não sofrera graves danos, punha Gustavo no colo, beijava-o e o abraçava muito. Dizia no ouvido dele quanto o amava. Nunca o castigou.

Se dependesse de mim, Gustavo teria sido castigado algumas vezes.

André, meu filho mais velho, conta que Gustavo chegou a ganhar dinheiro à custa de bater em Sofia.

Dos três, Gustavo é de fato o mais ligado em dinheiro. Coleciona moedas. Corta o próprio cabelo para economizar. É dono de um minúsculo apartamento comprado na planta. Pretende revendê-lo quando estiver pronto.

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No início dos anos 90, eu trabalhava em Angola. Viajava muito para lá. E voltava com aquelas bolsas repletas de objetos de higiene pessoal oferecidas aos passageiros da primeira classe da Varig.

Gustavo saía de porta em porta na rua onde morávamos vendendo aos amigos o conteúdo das bolsas. Aos mais ingênuos vendia também revistas usadas a preços exorbitantes. E cobrava de quem quisesse folhear um caderno gigante onde colara fotos de mulheres nuas recortadas da Playboy.

André jura que flagrou Gustavo na escola desafiando um colega:

– Quer apostar que eu bato em minha irmã, não fico de castigo e ainda ganho beijos de mamãe?

Foi mentira de André. Ou brincadeira, como prefere Rebeca. Mas foi uma mentira que espalho até hoje só para contestar a receita exageradamente amorosa de Rebeca de criar filhos.

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A verdade é que, entre tapas e beijos, Gustavo se tornou um feroz cão de guarda de Sofia. E seu melhor amigo e confidente. Foi padrinho de casamento dela. E Sofia o escolheu para ser padrinho de Luana.

Se dependesse de Gustavo, Sofia teria ficado solteira e casta.

Uma vez, eu lia no terraço quando ouvi Gustavo aos berros com Sofia.

– O que houve?

– Pai, ela beijou um menino na boca – respondeu Gustavo furioso.

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– Sim, e daí? – devolvi tentando disfarçar meu desconforto por saber que minha filha, logo a minha filha, havia dado seu primeiro beijo na boca.

– E daí? E daí? Daí que ela é uma criança.

– Mas Guga, ela já tem 12 anos e…

– E? E o quê, pai? Foi na boca, na boca…

– Eu sei, mas é que…

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– É o que o quê? Quer saber mais, pai? Foi beijo de língua. De língua.

– Foi beijo de língua? – perguntei a Sofia sem conseguir mais esconder meu desconforto.

Ela confirmou com a cabeça. Para em seguida contra-atacar chorando:

– Quando Guga tinha minha idade deu beijo de língua na Marina.

– Pois você sabe o que aconteceu com Marina? Sabe? Ela vivia beijando todos os meninos da escola. Resultado: acabou reprovada – defendeu-se Gustavo.

– Que história é essa, Guga? Marina não foi reprovada porque beijou ninguém. E Sofia não é mais uma criança – retruquei, embora eu ache, até hoje, que Sofia é, sim, uma criança.

– Pai, ela é sua filha. Sua filha. Sua única filha. Você não vai fazer nada? Nada? – provocou Gustavo.

Encerrei a discussão com o coração apertado:

– Deixe sua irmã em paz. Se você podia dar beijo de língua com 12 anos, ela também pode. Quanto a você, Sofia, não precisa sair por aí dando beijo em todo mundo. Muito menos de língua.

Pai e mãe sofrem. A gente nunca sabe quando acerta ou erra. O resultado final é que confirma o erro ou o acerto das soluções escolhidas.

Só sei que Sofia nunca foi reprovada. Nem angariou fama de devassa. Formou-se com ótimas notas em Psicologia e Pedagogia. É professora titular da escola canadense de Brasília. E será mãe em breve.

Não faço a mínima ideia de como ela e o marido pretendem criar Luana. Mas de uma coisa eu faço ideia: se fui, digamos assim, um tanto permissivo com Sofia, estou disposto a ser muito mais com Luana. Quando nada para me vingar do pai dela.

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