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O primeiro blog brasileiro com notícias e comentários diários sobre o que acontece na política. No ar desde 2004. Por Ricardo Noblat. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

Sem perder a ternura jamais

MEMÓRIAS DO BLOG

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 7 Maio 2018, 12h00 - Publicado em 7 Maio 2018, 12h00

Texto do dia 07/05/2009

O Che tinha razão: é preciso endurecer, mas sem perder a ternura jamais.

Sei que muitos aqui me consideram um pai “banana”, um avô “banana”, um chefe de família “banana”, sempre pronto a tudo conceder. E zombam da imagem de durão que tento passar a cada novo capítulo deste “Diário do Avô”.

Pois sinto muito, uma vez mais vocês se enganam.

Sei jogar pesado quando a situação requer. Foi assim esta manhã.

Sem açodamento, depois de muito refletir nos últimos dois dias, achei que chegara a hora de dar um murro na mesa e de impor minha vontade à Sofia.

Telefonei para ela e fui direto ao assunto:

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– O que você pretende com o seu comportamento?

– O que, pai?

– Você ouviu. O que você pretende com seu comportamento? Qual é o seu objetivo?

– Primeiro diga bom dia, pai. Segundo, não estou entendendo nada.

– Não digo bom dia. E não tente mudar de assunto. Responda.

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– Responda o quê?

– Onde está Luana? Por que ela nunca mais veio aqui?

– Você só pode estar brincando, pai. Na semana passada, sua neta passou três dias com vocês…

– Acho que as lamparinas do seu juízo estão apagadas, Sofia. Hoje é quinta-feira. Só tenho notícias de Luana por telefone. E não fora isso o que você combinara com a gente…

– Pai, Luana tem casa. Eu só tenho a parte da manhã para ficar com ela. À tarde, dou aulas. Quando volto do trabalho, muitas vezes ela já está dormindo.

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– Como você é egoísta, Sofia! Como você é egoísta…

– Sou o quê?

– E-go-ís-ta! Você brinca com ela todas as manhãs. Eu sei que Luana nem sempre dorme cedo e que, portanto, você ainda pode brincar com ela durante parte da noite. E você tem a madrugada toda, se quiser, para vigiar o sono de Luana, torcer para que ela acorde e novamente pô-la no colo. E eu? E eu?

– Mas pai, ela não é sua filha. É sua neta.

– Por isso mesmo… Quando você tinha a idade de Luana eu passava o dia no jornal, e até a noite. Quase não a vi crescer. Sua mãe trabalhava dois expedientes. Eu continuo trabalhando muito, você sabe. Sou escravo do blog. Mas quando Luana vem para cá, eu dou um jeito de ficar com ela entre uma nota e outra, um telefonema e outro.

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– Ela vai muito aí, pai.

– Não, não vem. Vem pouco. Para meu gosto não vem quase nunca. O que você pretende? Que eu vá me queixar à polícia? Que eu convoque uma manifestação de avós abandonados pelos netos e dispostos a acampar na praça dos Três Poderes?

(Silêncio do outro lado da linha.)

– Taí uma boa idéia, Sofia. Uma passeata de avós com faixas, carrinhos de bebê vazios e discursos incendiários ao pé da rampa do Palácio do Planalto…

(Sofia sorriu.)

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– Nada é mais triste, minha filha, do que um avô sentir falta do neto, saber que mora na mesma cidade dele, e só encontrá-lo raramente.

– Não é raramente…

– Quem define minhas necessidades sou eu. Você não está autorizada a falar por mim. Não lhe dou esse direito.

(Silêncio do outro lado da linha.)

– Tem a delegacia do menor, não tem? Tem a da mulher, não tem? Deveria ter uma delegacia especializada no atendimento de avós maltratados pelos filhos.

– Deixe de exagero, pai.

– Você está querendo me separar de Luana…

– Menos, pai. Menos.

– Você está com ciúmes porque ela já me chama de “bobô” e me reconhece em fotos.

– Ela também me reconhece em fotos, pai.

– Mas não reconhece a avó. E sabe por que não reconhece? Porque a avó só se preocupa em cuidar dela. Eu, não. Quero fazê-la feliz, mais nada. Essa é a diferença entre eu e sua mãe, eu e você, eu e seu marido. A essa altura da vida, Sofia, nada me gratifica mais do que fazer Luana feliz.

(Silêncio prolongado do outro ladro da linha. Até que Sofia fala com a voz embargada – pelo menos foi essa a impressão que me deu.)

– Tá, pai. Tá. Mande buscar Luana às duas da tarde. Mas ela tem que estar em casa antes do banho das sete horas.

– Sofia, você acha que está me prestando algum favor?

– Não, pai, não acho. Eu começarei a dar aulas também de manhã a partir da próxima semana. Ela poderá então passar o dia todo aí com vocês, de segunda à sexta.

– Com vocês, não, que sua avó não para em casa. Comigo!

– Tá, pai, com você.

(Aviso ao governo, ao Congresso e aos demais poderes constituídos: pelo menos esta tarde, não aprontem. Nada de novos escândalos. Nada de anúncios marqueteiros. Nada que me obrigue a ficar pendurado no telefone e com a vista cansada do brilho da telinha do computador.

Bem que poderia ser decretado ponto facultativo nas repartições – ainda dá tempo.

Bem que jovens casais poderiam deixar os filhos pequenos com os avós e aproveitar a tarde para ir ao cinema ou namorar. O mundo dormiria melhor esta noite.)

Atualização das 16h31: Luana não veio. Esperei até agora, mas ela não veio.

Eu havia preparado uma programação musical aqui no computador. Ía pôr para tocar quando ela chegasse. Luana gosta de dançar. É sério, gosta muito. Eu a tomo nos braços e danço com ela no escritório.

Mas aí foi descoberta uma infiltração no teto do apartamento onde ela e os pais moram. O bombeiro foi ver que jeito poderia dar. E a babá de Luana teve que ficar esperando por ele. Sofia está dando aula na escola.

Bem, Sofia me garantiu que Luana virá amanhã. Vamos ver.

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