
Tive tantos gatos que perdi a conta. Hoje, tenho dois – amarelos que, dizem os entendidos, são iluminados, capazes de oferecer imensa proteção espiritual. João é o mais velho. Apareceu na porta de casa e lá ficou até que o meu neto, Caio, o recolheu, batizou e classificou como o filho número 1 dele. No dia seguinte, João já dominava da casa. Soberano. Espaçoso.
Hoje, gasta o dia dormindo nas sombras do jardim. À noite vai gatar. O que significa rodar o bairro atrás de alguma aventura, alguma balada, alguma caça. Os gatos, dizem, andam quilômetros por noite.
Vez por outra, na madrugada, João aparece miando alto e sem parar. Aprendi. Vem com uma caça na boca. Um passarinho desavisado, um coelho – até uma pobre coruja. Ratos jamais. É moço fino.
Mas não é predador barato. Caça e come. É da sua natureza. Antes, faz questão de exibir a prenda – pra mim, de preferência. Pra meu susto e meus gritos. Tenho medo dos animais de pena. (Não me pergunte a causa. Fobia). Tenho pena dos caçados. Mas acho que João se diverte com o pavor que me causa. Certo sadismo, talvez.
Castrado, não passa recibo. Capaz de varar noites, vagueando na disputa por gatas no cio. Aprecia a zoeira dessa peleja sexual de miados e gritos lancinantes. Mise em scene. Pois para as gatinhas não é não. Elas escolhem o parceiro para o acasalamento. E pode não ser um só.
Depois dessas noitadas, João volta acabado – magro, fios de bigode quebrados, lenhado, arranhado, mas com um ar blasé de quem sugere – venci. (Machos!) Exausto, fica no come e dorme por dias. Até que a pele, os pelos, os bigodes e o estômago estejam completamente recuperados. Daí volta à rotina de gatar noite afora, dormir dia inteiro.
Mano Ruivo é o caçula da tribo, que conta ainda com o Rubirosa, um vira-lata com pinta de pastor belga, neurótico, que, pela ordem, não gosta de homens, crianças e gatos. Convivência difícil, mas todos se safam. Eu, inclusive.
Mano apareceu no meu trabalho em véspera chuvosa do Natal. Como ele entrou, ninguém sabe, ninguém viu. Seguro é seu faro certeiro de escolher minha sala para escapar da chuva e do abandono. Bingo!
De cara, dividi meu lanche com aquela criaturinha molhada e lascada – muita pulga, sarna e algum pelo. Faminto e febril, foi meu mais trabalhoso presente do Papai Noel. Passou as festas em cativeiro para evitar contaminação dos outros pets, mas lutou bravamente e, alguns muitos reais depois, sobreviveu.
Mano tem um ano. É o caçula do time e especialista em confusão – na última, quase perdeu o rabo num entrevero com um cachorrão dos malvados que encontrou pela frente em uma das suas primeiras aventuras para além do jardim.
De novo, lutou e sobreviveu orgulhoso da vitória e da calda ruiva que, outros muitos reais depois, recuperou intacta. Por segurança, hoje o jardim é seu limite. Esperto, além de ter certeza da redondeza da terra, sabe que já gastou duas das suas sete vidas.
João e Mano são parceiros. Irmãos na ruivice, o mais novo segue o mais velho, os dois aprontam juntos. Provocar os cachorros é o esporte preferido dos manos. Impávidos e garantidos pela distância intransponível pra cachorro, desfilam pelos muros. Miando, claro, para evitar que sejam ignorados.
João, com mais tempo de casa, é marrento. Sai pela janela, mas só entra pela porta da frente. O miado lamentoso faz as vezes de campainha.
Elegantes e asseados, não comem em pratos sujos – cada um no seu -, só bebem água fresca, não deitam em cama desarrumada, não deixam qualquer traço de suas necessidades fisiológicas.
Gatos são humanos de primeira qualidade. Nunca fui abandonada, traída, desprezada ou rejeitada por nenhum dos muitos bichanos que tive e que comigo ficaram até morrer. São fieis e comedidos no ciúme. DR jamais. Tipo “conge” perfeito.
Não mentem, não têm inveja, não pedem mais do que você possa dar. São independentes, jamais submissos ou servis. Também inteligentes, de alto QI e sabedoria ancestral. Qualquer gato vira-lata sabe a diferença entre esquerda e direita, entre benefício e direito, e não têm medo de comunista.
Sábios, respeitam a História. Não têm dúvida que o nazismo foi e é de direita. Papo retíssimo, não são de praticar covardia ou canelada virtual, demonstram contrariedade com ações precisas e presenciais. Por exemplo, fazendo xixi no seu sofá preferido. Simples assim. Entenda e atenda rápido a demanda ou sofá vai pro brejo.
Gatos, vira-lata ou não, são seres de luz. Sempre tigrões. Nunca tchutchucas. Nasceram gatos. Gatos são. Jamais tentarão a Presidência da República. Aceitam suas limitações.
Fofos, dengosos e amorosos, curam qualquer carência, qualquer compulsão por rede social. Se nunca provou dessa parceria, experimente. Há gatinhos por aí buscando abrigo e dona/o pra chamar de seu.
Troque seu twitter por um gato. Dá match.
PS.: “Conge”, pra quem não sabe, é corruptela de cônjuge recentemente instituída pelo vosso ministro da Justiça, funcionário do JMessias.
Tânia Fusco é jornalista