
Vem da pragmática Roma a máxima: “Primeiro viver, depois filosofar”. Por atrevimento, inverto a ordem: “Primeiro filosofar, depois viver”. Não se trata da insanidade de negar que a satisfação de necessidades básicas faça o corpo funcionar. Refiro-me ao existir e à busca imemorial do seu sentido.
Nesta caminhada, a filosofia tem precedência. Sem maiores delongas, o argumento está na raiz etimológica da palavra: “amor à sabedoria”. O ponto de partida é o pensar que impulsiona um moto-contínuo: pensar, aprender, conhecer, duvidar, pensar….voltado para o mundo interior e o mundo ao redor, questionando a razão face à permanência da dúvida e respeitando as verdades definitivas alcançadas pela fé.
Desta forma, refletir filosoficamente é uma procura incessante de respostas a um indefinido estado de dúvidas indecifráveis, mas que permite alcançar serena sabedoria diante da incerteza.
Ora, os pragmáticos torcem o nariz para algo tão supérfluo que atribuem a pecha de “filósofo” a quem anda no mundo a lua e é apologista do ócio (casamento indissolúvel).
Grave engano. O filósofo francês Luc Ferry escreveu uma bela obra Aprender a viver (não é autoajuda). Um longo passeio na história da filosofia com tal simplicidade que demonstra a importância da matéria na formação de cidadãos e reforça a compreensão quanto à inclusão nos currículos escolares, até porque no currículo da vida, a filosofia é mestra.
Entre inúmeras, recebi duas inesquecíveis lições de filosofia de pessoas analfabetas: “seu” Joca, matuto rico de Vitória, consultado, deu o seguinte conselho a papai sobre o que fazer com uma mixaria que conseguiu juntar: “Dotô, bote em parede, chão e criação”. Na economia real, filosofou! Desconfiado, imagino “seu” Joca no mundo dos derivativos, bitcoins e da picaretagem das pirâmides. Preferia uma vaca leiteira.
A outra foi de Alzira, mais que empregada, membro da família, com legítima autoridade, me repreendeu quando encurralei e provoquei um gato, miando como ele e chamando para briga. “Menino, não acue o bicho. Ele vai te morder e tu vai apanhar. O acuado vira um monstro”. Filosofia ética e moral! Respeite todos e o mais fraco: araruta tem seu dia de mingau, sentencia o dito popular.
Aí o governo mexe com o ensino de filosofia. Deixa quieta. Ela aperfeiçoa o conhecimento e oferece doses gratuitas de sabedoria. Platão exagerou: governante não precisa ser filósofo. No entanto, vale como livro de cabeceira Meditações, reflexões imortalizadas pelo grande Imperador Romano Marco Aurélio (121 d.C-180 d.C.).
Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda