
Ainda pequena, lá no interior de Minas Gerais, ouvia isso – pessoa de cor – para indicar alguém. Como a tal pessoa não estava presente, eu sempre viajava na imaginação: será verde? Azul marinho? Marrom? Preto?
Às crianças, então, não era dado espaço para interromper conversas de adultos por dúvidas de entendimento. (Isso já revela a velhice da expressão usada para definir algumas pessoas).
Na minha pequenez, percebia que a referência não era elogiosa, porque sempre dita em um tom mais baixo do que a fala normal. Mesmo cochicho que era usado para mencionar a gravidade no estado de saúde de alguém – ele/ela tem “aquela doença”.
Sabia que a tal doença inominável era passo certo para a morte. Imaginava que “pessoa de cor” fosse igualmente grave, primo do bicho papão – coisa perigosa. Como tinha medo de escuro, imaginava que a tal cor não mencionada seria perto do breu, que me amedrontava. (E era).
Segui anos ouvindo a tal referência sussurrada. Segui também sem saber qual a cor da pessoa de cor? Mas tinha certeza, não ser “de cor” era vantagem. (E ainda é).
Não sei dizer quando fui descobrir que “aquela doença” era o câncer; “pessoa de cor” eram os negros. Muito poucos na minha cidade de cinco mil habitantes – todos pobres, vivendo de trabalhos suados ou da caridade dos sem-cor-mencionada.
Cinco décadas depois da minha infância, cai o queixo quando o vice-presidente da República, usa, com muita naturalidade, “o pessoa de cor” para definir pretos. Passo dois, com o mesmo desembaraço, garante: não há preconceito no Brasil. Didático, seguro, explica: ”pessoas de cor” só sofrem preconceito nos Estados Unidos.
Agora, já sei. A cor de “pessoas de cor” não é verde, nem marrom ou azul marinho. Mas o general-vice continua chamando negros ou pretos de pessoas de cor. Lá nos antigamente – de onde, parece, ele ainda não saiu -, o “pessoas de cor”, aprendi, era usado com a pretensão de delicadeza, uma maneira “mais suave” de indicar a condição diferente e inferior dos não brancos. Preto, negro era então tão inominável quanto o câncer. Continua sendo. Para gente como o general e outros milhares.
Este é o país que não tem preconceito.
Mesmo país que, lá no Império, quando a Inglaterra aumentou a pressão pelo fim do tráfico de escravos, passou a nomeá-los em documentos oficiais como “elemento servil” – mais “suave” que escravos, vá? Jeitinho brasileiro. Mudou a nomenclatura, empurrou com a barriga, até quando deu, a proibição do tráfico – da venda, do uso – dos elementos servis. O que mesmo que mudou?
Perguntar não ofende.
- Trabalhar na defesa, na arrumação da casa, de quem condenou por ditos mal feitos, não seria a velha forma de criar dificuldade para vender facilidade? Pode isso, Moro – digo, Arnaldo? Seria Leva-e-lava?
- Os muitos candidatos que não tiveram um voto – nem o seu próprio – serão laranja de quens?
- O Trump terá abrigo em Atibaia quando deixar a Casa Branca?
Tânia Fusco é jornalista