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Os dândis do futebol

A atração dos políticos por holofotes comanda atos canhestros.

Por Gaudêncio Torquato
Atualizado em 1 jul 2018, 16h00 - Publicado em 1 jul 2018, 16h00

O futebol está se transformando em gigantesca passarela para exibição de tatuagens, cortes de cabelo, piercings em orelhas e pescoços, na esteira de uma estética esportiva que embala os competidores, motivando torcedores a endeusar seus ídolos também pela maneira como se apresentam.

O dandismo, maneira afetada de se comportar, tradicionalmente restrito ao campo político, se estende ao futebol. O poeta Baudelaire dizia que o dândi provoca “o prazer de espantar”. Acrescente-se o “prazer de encantar”.

Na política, o dandismo teve grandes cultores, como Luis XIV, que passeava nos jardins de Versailles em um cavalo branco coberto de diamantes e ele de púrpura. Napoleão parecia um pavão quando se coroou para receber a benção do papa. Hitler, treinado em declamação, usando a cruz gamada do nazismo, aparecia nos comícios depois de fazer a massa esperar horas a fio. De repente, aviões desciam em rasantes, criando o clima para receber o personagem.

Entre nós, a arte da represen­tação é bastante cultivada. Jânio Quadros dava ênfase à semântica usando como bengala a estética dos olhos esbugalhados, cabelos despenteados, barba por fazer, a imagem do desleixo com a caspa caindo sobre um paletó roto. Tirava sanduíches de mortadela e bananas dos bolsos e pontificava entre próclises e mesóclises: “Po­lítico brasileiro não se dá ao respeito. Eu, não, desde as 6 horas da manhã estou caminhando pela Vila Maria e não comi nada. Então, com licença.” E os devorava sob aplausos.

A atração dos políticos por holofotes comanda atos canhestros. O Estado-Espetáculo emerge exibindo heróis, salvadores da Pátria, pais dos pobres e até seres que se postam ao lado direito do Senhor. O ditador Idi Amin, de Uganda, dizia conversar com Deus em sonhos. Quiseram saber a frequência do papo. Respondeu, sem titubear: “sempre que necessário”. Nicolas Maduro não disse que foi abençoado pelo falecido Hugo Chavez, encarnado em um “canarinho pequenino” que lhe apareceu?

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Em muitas ocasiões os limites da liturgia são rompidos. E os atores, numa encenação que mais parece estripulia circense, inventam firulas para iludir as massas.

Nos campos de futebol vemos a Seleção Canarinho desfilando uma coleção de signos. Fixemos em Neymar, que mais se assemelha a um caleidoscópio humano. Carrega cerca de 40 símbolos, entre tatuagens de tigre, âncora, diamante, cruz com asas, o 4 em número romano, coroas, clave de sol, enfim, uma vasta coleção que tenta expressar força, alegria, coragem, estabilidade, perfeição, independência, história de vida, relação com o divino etc. Esse aparato estético ainda se completa com esgares e espasmos de dor ao cair nas faltas cometidas por adversários (parte delas é pura representação do dândi). Neymar deve despertar curiosidade até de extra-terrestres.

Na sociedade pós-industrial o Estado-Espetáculo imprime o tom dos discursos, maltratando a identidade da política, dos esportes e da cultura.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato 

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