As ruas têm sido decisivas nas páginas de nossa história recente. Sem elas, não haveria o impeachment de Dilma Rousseff, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral não estariam na cadeia, Lula e José Dirceu não teriam sido condenados. E Marcelo Odebrecht e Wesley Batista estariam por aí livres, leves e soltos, operando como sempre.
A Lava Jato só chegou onde chegou porque a ação firme da Polícia Federal, do Ministério Público, e de juízes da primeira e segunda instâncias tiveram o respaldo de manifestações multitudinárias.
A combinação desses dois fatores – ação republicana de algumas instituições permanentes de Estado e pressão da sociedade – emparedou, por um momento, boa parte das elites política e econômica, secularmente acostumadas à impunidade.
Parecia que, finalmente, marchávamos para um novo Brasil, no qual o capitalismo se desenvolveria pela livre concorrência e a lei seria igual para todos. Valeria para o pobre, mas também para um ex-presidente da República.
A primavera brasileira durou pouco.
Encasteladas no aparato do Estado, as forças patrimonialistas articularam sua contraofensiva. O Congresso Nacional aprovou normas eleitorais que impedem a renovação política e o presidente da República abandonou as necessárias reformas para cuidar de uma agenda de pegada populista.
Já a instância máxima do judiciário passou a se pautar pelo casuísmo. O ápice da blitzkrieg da impunidade foi a última sessão do STF, na qual decidiu não decidir sobre o habeas corpus de Lula, mas decidiu que ele não pode ser preso enquanto a Corte não decidir. Por aí, passará uma boiada e todo o trabalho da Lava Jato poderá ir por água abaixo.
O STF pesou a mão, cometeu um erro de cálculo ao apostar na catatonia da sociedade.
As ruas estão dispostas a mostrar que não estão mortas. Os movimentos cívicos responsáveis pelas jornadas do impeachment agendaram manifestações em todo o país, para a véspera do julgamento do habeas corpus de Lula.
A batalha do dia três de abril é um pouco o dia D da luta contra a impunidade, o Waterloo da Lava Jato. Se as manifestações forem um fiasco, as forças interessadas na manutenção de seus privilégios se sentirão encorajadas a promover novos retrocessos. O passo seguinte pode ser uma “interpretação criativa” da Lei da Ficha Limpa para tornar Lula elegível.
No quatro de abril estará em jogo muito mais do que a punição de Lula pelos crimes que cometeu. Estarão também o futuro da Lava Jato e a esperança dos brasileiros.
Se a caravana da impunidade passar, o desencanto se espraiará pelo país e contaminará as eleições.
Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo