Como todo caudilho que se preza, Lula foi implacável com quem ousou contestar seu monopólio no campo da esquerda. Mesmo seu preposto, o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad, terá de se comportar direitinho para passar no estágio probatório estabelecido pelo morubixaba petista. Se vestir a fantasia de presidenciável antes da hora será esmagado sem dó e piedade, assim como aconteceu com Ciro Gomes.
O Partido dos Trabalhadores sempre teve concepção hegemonista e nisso tem razão o presidente do PSB, Carlos Siqueira, quando se queixa do perfil exclusivista do PT. Alianças sempre foram bem-vindas, desde que os aliados aceitassem a condição de satélite. O diferencial deste ano é que, com a prisão de Lula e sua mais do que provável inelegibilidade, o polo agregador do campo da esquerda deixou de ser natural, daí sua fragmentação inicial em quatro candidaturas.
A reaglutinação se deu a fórceps, por meio do tratoraço acionado de dentro da cadeia. Vítimas ficaram pelo meio do caminho, como Marília Arraes, candidata a governadora de Pernambuco, cujo ímpetos de insubordinação, ou de ingenuidade de acreditar que alguma coisa acontece no PT sem a aprovação de Lula, não duraram dois dias. Na democracia lulista a última palavra é sempre a do caudilho.
Os métodos utilizados por Lula não ficaram a dever aos do argentino Juan Domingo Perón, um especialista em esmagar quem desafiava seu poder de mando. Como Péron, Lula dizimou companheiros de jornada para impor sua estratégia. Ciro é hoje um mutilado de guerra, a lamuriar-se dos “conchavos, fuxicos, rasteiras e punhaladas pelas costas”. Contra tudo que os anos de janela já deveriam ter dado de experiência ao cearense, ele, candidamente, acreditou que seus mimos a Lula e ao PT seriam suficientes para liderar um bloco de esquerda.
A esquerda não superou a lulodependência, daí a pusilanimidade em relação aos planos de Lula. O PSB, uma federação de caciques regionais, entregou a cabeça de Márcio Lacerda em Minas Gerais em uma bandeja para facilitar a reeleição do governador de Pernambuco. Seu presidente resmunga contra o hegemonismo do PT, mas constrangidamente se submete a ele.
Chantageado em não ter coligação nas proporcionais com a legenda petista, o PCdoB aceitou ter Manuela d’Ávila na condição de regra três do candidato a vice-presidente da chapa de Lula. Bem, mas o PCdoB sempre se contentou com as migalhas que caem da mesa do PT.
Hegemonias quando impostas pela força costumam criar problemas, assim como abater companheiros deixam sempre sequelas insuperáveis. Hoje, Ciro é um “pote até aqui de mágoa”, Márcio Lacerda tem sangue nos olhos e muitos petistas e peessebistas estão de farol baixo, descontentes com o arreglo que rifou Marília e Márcio.
Ainda assim, Lula pode conseguir colocar um candidato-laranja no segundo turno. Mas é uma estratégia de altíssimo risco, pois o PT vai para a disputa bem menor do que em eleições passadas, incapaz que foi de costurar alianças mais amplas.
Na hipótese pouco provável de dar certo, Fernando Haddad seria o Héctor Cámpora de Lula, ele no governo e o caudilho no poder.