O Maternalismo (por Gustavo Krause)
A humanidade nunca precisou tanto da mulher como nos dias dolorosos da Pandemia

Minha geração se formou, escutando heresias e presenciando comportamentos que desvalorizavam a mulher. Bastava parir e educar a prole. A opressão estava escrita nas leis e inscritas nos padrões culturais dominantes. Um tipo disfarçado da mais cruel escravidão.
A evolução histórica consagrou a mais silenciosa das revoluções: o feminismo. Porém, a violência de gênero atesta que as mulheres continuam sofrendo discriminação e graves agressões. Nada mais condenável, não fosse pela malvadeza doentia, seria por uma estupidez imperdoável: a humanidade nunca precisou tanto da mulher como nos dias dolorosos da Pandemia.
O assunto me veio à cabeça depois de uma conversa que tive em novembro com um queridíssimo amigo do curso clássico no Colégio Padre Félix (1961/2/3). Estava Ivan Pedro solitário e pensativo num banco da Praça da Jaqueira.
Interrompi, indagando: “Pensando na vida? Planejando o futuro”? “Não – disse ele – não consigo enxergar o futuro antes de refletir e olhar para dentro de mim”. E o que enxergou?”. “Que não estou me cuidando nem cuidando dos outros como devia”.
O culto Professor de matemática da UFPE narrou a fábula-mito, escrita por um escravo genial – Caio Júlio Higino – liberto pelo Imperador Augusto, em que o zelo pela terra fora atribuído ao personagem Cuidado.
Ai, meu amigo filosofou: “Será, Gustavo que nós estamos cuidando bem de nós mesmos, dos outros, dos mais fracos, pobres, doentes, da família, da Mãe-Natureza que que nos dá tudo, a vida e os meios de sobrevivência, e nada pede em troca? Será que o cuidado não deveria ser um elemento constitutivo e permanente de modo a proteger todos de uma fragilidade disfarçada num deus ex machina?
Referendei as dúvidas. Adicionei, apenas, a precaução em “difamar o cuidado como feminilização das práticas humanas, como empecilho à objetividade na compreensão e como obstáculo à eficácia […] O modo-de-ser-cuidado revela a dimensão do feminino no homem e na mulher”, ensina Leonardo Boff.
A referência ao Maternalismo não é a versão feminina do paternalismo ou políticas e práticas sociais usadas para proteger as responsabilidades gestacionais das mulheres. Vou além. Defendo um paradigma novo que não encarcere as mulheres pelas suas “naturais aptidões”, mas que possibilite o deslocamento dos “valores femininos” da esfera doméstica para a pública, sendo elas, sujeito e objeto das políticas públicas.
Assim, é possível viver em “fraternura”, síntese poética de São Francisco e como me saudava Ivan Pedro, levado ao céu no dia 08/12/20, pela COVID-19, um “descuido” de amplitude planetária.
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda