O marketing da ilusão (por João Bosco Rabello)
A nova política, marcada por outsiders e um desespero renovador, não mostrou as caras em 2020

Um marketing eficiente vende o bom e o ruim. No primeiro caso, vende o que vale. No segundo, vende ilusão. É o caso da “nova política”, um produto indefinível que pegou carona na onda anticorrupção, anabolizada pelas redes sociais, e que a Lava Jato generalizou para matar a “velha política”.
Quando se compra ilusão deveria vir junto o antídoto para o efeito colateral, às vezes, mortal: a desilusão. Esta chegou agora para os que aderiram, de boa ou má fé, à tese da nova política com a voracidade de um consumidor de black friday.
Na política nada é mais velho que o anúncio do novo. Truque empregado de tempos em tempos que alcança novas gerações de eleitores sem a memória do enredo anterior. O alarde anuncia a vinda do Messias com evangelho redentor a banir o pecado da corrupção – esta também velha sabida que hiberna no período da caça.
O problema do comprador de novas idéias é que no mercado das ilusões elas funcionam como disse o economista Roberto Campos em um debate sobre as ideias de Maria da Conceição Tavares: “Pena que as boas não são novas e as novas não são boas”. Aplica-se bem às propostas da “nova” política.
No Congresso atual, louvado pela renovação, foram as lideranças mais antigas que sobressaíram no embate com o governo – ele mesmo eleito por um discurso anticorrupção abandonado no meio do caminho ante a necessidade de blindar-se de investigações, para o que recorreu ao Centrão.
Os resultados parciais das eleições municipais reforçaram os partidos mais tradicionais e o fim das coligações assinou o atestado de óbito de legendas sem histórico político. Salvo exceções por serem comprovadas, deputados federais de legendas como Patriota, Podemos, Pros e tantas outras não lograrão a reeleição em seus habitats atuais.
A nova política, marcada por outsiders e um desespero renovador, não mostrou as caras em 2020. Pelo contrário, houve a busca de soluções mais confiáveis. O bom desempenho do ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) no Rio é o principal exemplo. Os que pretendem sobreviver a partir de 2022 terão que buscar abrigo.
DEM, MDB, PP e PSD elegeram o maior número de prefeitos, o que mostra também a desidratação da esquerda, principalmente do PT. O partido tende a melhorar suas posições, mas juntos, PSB e PDT governarão três vezes mais cidades que os petistas (558 x 189).
Nas suas escolhas marcadas pela cautela, o eleitor direcionou as administrações para o centro. Nesse contexto, o cientista político Leonardo Barreto enxerga na fotografia da hora um eixo de prováveis alianças em curso que aproveitam os ares moderados.
Segundo Barreto, nacionalmente, é possível visualizar três frentes: no centro, João Dória (PSDB) tenta uma aliança com o DEM (seu vice) e o MDB (vice de Covas). Na centro-direita, Bolsonaro tentará liderar uma coalizão com o PP de Arthur Lira e Ciro Nogueira. PSD, REP, PSC e PL estão nesse círculo de influência.
À esquerda, PDT, PSB, PT e PC do B tentarão resolver diferenças, mas a fragmentação ainda é o cenário mais provável.
João Bosco Rabello escreve no Capital Político. Jornalista há 40 anos, iniciou sua carreira no extinto Diário de Notícias (RJ), em 1974. Em 1977, transferiu-se para Brasília. Entre 1984 e 1988, foi repórter e coordenador de Política de O Globo, e, em 1989, repórter especial do Jornal do Brasil. Participou de coberturas históricas, como a eleição e morte de Tancredo Neves e a Assembleia Nacional Constituinte. De 1990 a 2013 dirigiu a sucursal de O Estado de S. Paulo, em Brasília. Recentemente, foi assessor especial de comunicação nos ministérios da Defesa e da Segurança Pública. ⠀