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O Código de Ifá

“Juiz não reconhece manifestações afro-brasileiras como religiões”

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 30 jul 2020, 20h04 - Publicado em 28 dez 2018, 11h00

Por Mãe Stella

Mais uma polêmica para que possamos refletir e dar um passo rumo a um estágio evolutivo elevado que ajude a construir uma sociedade harmônica e equilibrada. O noticiário televisivo deu a seguinte manchete: “Juiz não reconhece manifestações afro-brasileiras como religiões”.

Sou uma líder do candomblé e confesso que eu não fiquei nem um pouco surpreendida. Venho de um tempo em que a referida religião era perseguida pela polícia, em virtude de na época o Brasil ter uma religião oficial – o catolicismo.

A atitude do juiz precisa ser compreendida, porém jamais pode ser aceita. Optei por não dizer seu nome, pois o nome de uma pessoa é tão sagrado que não deve ser pronunciado quando o dono dele comete atos impensados e infelizes.

Um belo e significativo ensinamento da Ordem Rosa Cruz diz: “Eu te compreendo, mas em nome do verdadeiro amor não posso aceitar.” Podemos compreender uma atitude que tem por base o preconceito, que é fruto da ignorância sobre o tema que o juiz ousou julgar. O ignorante é assim mesmo: é insolente, “grosseiro nos gestos, nas palavras ou nas ações.”

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Não fiquei surpresa, fiquei indignada. Senti repulsa, não pelo cidadão em si, mas pelo seu ato vergonhoso. Quanto a meu irmão que praticou tal ato, verdadeiramente, senti pena e, consequentemente, desejo de ajudá-lo. Afinal, ele é meu irmão, somos filhos de uma única energia, que para o candomblé é chamada de Olorum – o Deus Supremo, que vive no céu (no orum), o qual se expandiu e Dele fez surgir todos os seres vivos que habitam a Terra.

Essa é uma explicação que dou para ajudar meu irmão a entender que as religiões de matriz africana têm, sim, um texto base no qual se baseiam para realizar seus rituais, mas principalmente para ajudar seus adeptos a se tornarem cidadãos “assentados” no bem e na verdade. Esse texto base nos ensina que não basta sentir pena.

O Código de Ifá, conjunto de ensinamentos no qual se baseia o candomblé, ensina a seus adeptos que a ignorância precisa ser perdoada, compreendida, mas nunca aceita, e que cabe àquele que conhece os mistérios, instruir aqueles que não os conhecem. Obedecendo, portanto, às orientações dadas pelos seres superiores, esclareço a meu irmão alguns detalhes do candomblé sobre o qual ele demonstra não ter o conhecimento necessário para realizar um julgamento.

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A religião trazida para o Brasil por um povo possuidor de dignidade e generosidade inigualáveis tem um texto base, o qual é inclusive codificado através de códigos matemáticos. Não podemos, nem devemos esquecer-nos que um texto, em seu sentido amplo, é um conjunto de palavras expressas de maneira oral ou escrita, que pode ser longo ou breve, antigo ou moderno.

Preciso pacientemente repetir que o texto base do candomblé é o Código de Ifá, pois um educador é educado para ser paciente. E nós, sacerdotes de qualquer religião, somos educadores de almas. Explicando ainda mais um pouco, o Código de Ifá é um sistema longo e antigo, considerado axiomático por revelar verdades universalmente dignas e válidas, ditas de maneira simples para expressar a complexa realidade da vida.

Também pacientemente repito que o candomblé possui um Deus Supremo, sendo os orixás divindades que servem como intermediárias entre Olorum e os humanos. Quanto à hierarquia, este é um dos grandes e fortes pilares dessa religião milenar, tanto no que se refere ao mundo das divindades quanto à comunidade dos “terreiros”.

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No mundo sagrado se tem: Olorum, orixás funfun (descendente direto do hálito do Deus Supremo), orixás vinculados ao ar, água, fogo e terra, seres humanos, animais, vegetais e minerais. Nas comunidades do candomblé a hierarquia está em tudo: nos cargos (iyalorixá, iyakekere egbomi, yaô, abian); no respeito à idade de nascimento do corpo (os “nossos mais velhos”) e à idade de nascimento, na Terra, da essência divina de cada um.

Encerrarei este texto com um provérbio contido no Código de Ifá: “O tempo pode ser longo, mas uma mentira não cai em esquecimento.”

 

Maria Stella de Azevedo Santos era Iyalorixá do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá e membro da Academia de Letras da Bahia. Morreu ontem aos 93 anos de idade em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano. O artigo acima foi publicado no jornal “A Tarde”, de Salvador, em 23/5/2014.  

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