
Orlando Tejo era um gênio. Todo mundo sabe disso. A cabeça foi antes, o corpo velho só agora. Uma tristeza. Perda enorme. Entre suas grandes histórias, lembro uma que se deu com o premiado escritor Luiz Berto, editor do Jornal Besta Fubana. Quando Tejo, liso como um mocó, pediu ao amigo Berto que lhe arranjasse um agiota. E ao tal cidadão, (João) Canindé, pediu 30 mil cruzeiros. Só que o dinheiro não chegava. E ele na lona. E angústia muita. E notícia nenhuma. Foi quando o juízo ferveu e Tejo, na hora, escreveu esses versos:
LOUVAÇÃO A CANINDÉ
Estando sem um tostão
E me encontrando bem perto,
Fui procurar Luiz Berto
Para alguma solução.
Berto disse: “Meu irmão,
Eu também queria até
Fazer um querrequequé
Daquele que o diabo pinta
Para ver se arranco trinta
Do bolso de Canindé”.
E toca a telefonar
E Canindé a correr,
Mas não pôde se esconder
E teve que tapear:
“Pela manhã não vai dar,
Porque de tarde é que é
Bom para a coisa dar pé.
Aguarde, portanto, amigo”.
Berto ficou de castigo
Esperando Canindé.
E eu que necessitava
Também da mesma quantia
Me fiei nessa franquia
Que Canindé propalava
Quando eu menos esperava
O safado, de má fé,
Filho de puta, ralé,
Disse que hoje não tem nada…
Ah! uma foice amolada
No chifre de Canindé.
Eu já podia notar
E mudar de interesse
Que cabra com um nome desse
Não poderia prestar.
No entanto vou esperar
Até amanhã com fé.
Se ele me deixar a pé,
Juro por Nossa Senhora:
Corto de pau uma tora
E vou matar Canindé.
O cabra fuma e não traga
Faz do crime o seu idílio!
Onde está Flávio Marcílio
Que não demite esta praga?
Ao menos dava-se a vaga
Pra um sujeito de fé,
Já que esse indivíduo é
Tratante e delinquente
Haja chumbo grosso e quente
No rabo de Canindé.
Por capricho do destino
De Satanás ou Deus Brama,
O bicho também se chama
Coisa e tal e Tolentino,
Doido, avarento e mofino,
Não conhece a Santa Sé,
Faz da cola o seu rapé,
Vive da desgraça alheia,
Devia estar na cadeia
Esse tal de Canindé.
Não sei como Luiz Berto
Este escritor inspirado,
Toma dinheiro emprestado
A um ladrão tão esperto,
Que representa um deserto
De trabalho, amor e fé,
Que anda de marcha ré
Pela estrada da virtude
E além de covarde e rude
Se assina por Canindé.
Antes quero outro “pacote”
Desemprego, moratória,
Ver Delfim contar história,
Comer carne de caçote,
Levar chumbo no cangote,
Me abraçar com jacaré,
Beber caldo de chulé,
Dar o rabo a marinheiro,
Do que tomar um cruzeiro
Emprestado a Canindé.
Mas o destino é cobra traiçoeira. Prega suas peças. E isso aconteceu, então, mais uma vez. Dando-se que o amigo Luiz Berto avisou, logo em seguida, ter chegado seu dinheiro. Foi quando nosso Tejo, com remorsos por ter falado tão mal do pobre Canindé, resolveu a questão escrevendo outros versos. A favor dele, agora.
NOSSO AMIGO CANINDÉ
Um sujeito despeitado,
Desses de baixa maré,
Inventou que Canindé
É um canalha safado.
Eu fiquei preocupado
Com a informação ralé,
Porém não perdi a fé
Em quem merece louvores…
E haja palmas e haja flores
Na fronte de Canindé.
Tenho dito e sustentado
(Todo mundo sabe disso)
Que na Câmara, esse cortiço,
Há um cidadão honrado,
Pai de família extremado,
Homem de bem e de fé!
O Papa já disse até
Que há no torrão brasileiro
Padre Cícero em Juazeiro
E em Brasília, Canindé.
Sei que o Papa tem razão,
Mas ninguém quer saber disto.
Se já falaram de Cristo,
Que se dirá de um cristão
Porém a fofoca não
Atinge um homem de fé.
E se eu descobrir quem é,
Meto a mão no pé do ouvido
Do sem-vergonha enxerido
Que falar de Canindé.
Canindé – nome decente!
Tolentino – ô nome macho!
Ribeiro – lindo riacho
Que mata a sede da gente!
Honrado, amigo e valente,
Subiu da glória o sopé…
A Virgem de Nazaré
Já lhe envolveu com seu manto,
Por isso um caminho santo
Vai trilhando Canindé.
Canindé pra ser beato
Só falta mesmo a batina,
Pois tem vocação divina
Pureza, fé e recato!
Por isso ele é o retrato
Mais fiel de São José
E já se comenta até
Que Frei Damião Bozano
Sugeriu ao Vaticano
Canonizar Canindé.
Mas sabem por que razão
Já querem canonizá-lo?
É por causa de um estalo
Que recebeu nosso irmão
Lá nas margens do Jordão,
Ao lado de São Tomé,
Quando dava cafuné
Numa velhinha doente
E morreu a penitente
Nos braços de Canindé.
Nesse chão onde ele pisa,
Por ser grande patriota,
Se faz até de agiota
Pra ajudar quem precisa.
Mas não comercializa
A sua alma de fé!
Jamais ganhou um café
Pelo dinheiro que empresta…
Caridade é uma festa
Pra alma de Canindé.
Santo Agostinho, dos santos
Foi o mais puro entre os ermos
Que consolava os enfermos
E lhes enxugava os prantos.
Obrava milagres tantos,
Pela pureza e a fé
Pois acreditava até
Em fala de passarinho.
Mas sabem? Santo Agostinho
É pinto pra Canindé.
No fim, o infeliz agiota sofreu para receber sua grana. Mas ganhou versos, em troca. Ficou no lucro. Perdemos um gênio. Abraços para Luiz Berto. E homenagens ao grande Orlando Tejo.
José Paulo Cavalcanti Filho. jp@jpc.com.br